Lentidão afasta investimentos no setor da construção civil - Jornal de Brasília

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Jornal de Brasília
Carla Rodrigues

“O meu governo vai declarar guerra à burocracia”. A promessa foi feita pelo governador Rodrigo Rollemberg em setembro do ano passado, durante evento com representantes da construção civil. Depois de oito meses de gestão, no entanto, o compromisso parece esquecido. 

Hoje, o setor é um dos principais prejudicados pela demora na análise e aprovação de projetos. Nos seis primeiros meses deste ano, apenas 7,5% dos 4 mil documentos enviados à análise foram deferidos. A informação é da própria Secretaria de Gestão do Território e Habitação (Segeth). 

De acordo com empresários do setor, as dúvidas são tantas que a previsão é de não haver obras no DF em 2016. A demora na liberação do Habite-se é o principal empecilho. “Os clientes ficam, com razão, muito decepcionados. Eles querem os apartamentos entregues na data prevista. E a grande culpa disso não acontecer hoje é do setor público”, afirma o representante da MRV Engenharia no DF, Alexandre Vilela. 

A construtora é dona do projeto Top Life, em Taguatinga, cujos apartamentos até hoje não puderam ser entregues. “Por baixo, podemos estimar prejuízo de R$ 15 milhões por conta disso”, aponta. 

Hoje, a MRV é a construtora com maior número de unidades prontas sem o Habite-se. “Nós temos 2,7 mil apartamentos sem Habite-se. E, em alguns casos, precisamos recorrer à Justiça para conseguir. São 2,7 mil unidades que nos deixam em débito com os clientes”, salienta Alexandre Vilela. 

Para ele, a enorme burocracia impede que as empresas transfiram as chaves para os compradores. “Eu tenho dois empreendimentos no Top Life. O Long Beach deveria ter sido entregue em novembro do ano passado. O Miami Beach era para ser em maio”, diz. 

Descrença

Hoje, ressalta Alexandre, ele não recomendaria a nem um empresário do setor que fizesse investimentos no DF. “A gente fica meio descrente.  No momento, em Brasília, eu não adquiri mais nem um lote. O mercado não está promissor. Existe muita mercadoria pronta, e os preços caíram demais. Essa burocracia também prejudica muito”, afirma. 

“Era a hora de a construção civil gerar emprego, e isso não vai acontecer durante um tempo. Acho que, em 2016, não vai ter obra no DF. O DF vai ficar parado”, acrescenta o empresário. 

Segundo levantamento da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi), 25 empreendimentos foram paralisados por conta da insegurança no setor.

Pesquisa comprova demora no processo


Ao todo, segundo pesquisa da  Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi), são mais de 2,7 milhões de m2 pendentes de aprovação do governo. 

“Temos uma legislação que eu acho exagerada. Ela diz que, para qualquer empreendimento habitacional acima de 150 unidades, é preciso um relatório de trânsito. É um número que não tem sentido. É um número aleatório”, destaca o presidente da associação, Paulo Muniz. 

Por conta da demora na liberação do Habite-se, a estimativa é de que, aproximadamente, 8,8 mil unidades residenciais e comerciais estejam desocupadas na região de Taguatinga. 

“Eles (o governo) trabalham nisso, mas de uma forma relativamente lenta. Do jeito que as coisas iam, nós esperávamos que se trocasse a turbina com o avião andando. E temos alguns projetos que estão demorando na aprovação, que podiam ser aprovados dentro das normas atuais. Era assim que a gente aprovava há oito anos, com, no máximo, 120 dias”, argumenta Muniz. 

Ele salienta: “Não podemos dizer que isso é do governo passado. Aliás, no fim do governo Agnelo, a gente já estava conseguindo aprovar alguns projetos. Isso voltou agora”. 

Liminar

A lentidão na entrega das chaves vem desde novembro de 2014. Na época,  o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) acatou, em caráter liminar, o pedido do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e suspendeu o decreto do Executivo local que liberava a exigência de Relatório de Impacto de Trânsito (RIT) para obras licenciadas até 31 de dezembro de 2010. 

A decisão pede que os empreendimentos apresentem estudo e laudo de conformidade como condição para conseguir o Habite-se. De acordo com o texto da liminar, o poder Executivo local não poderia legislar sobre questão federal, que é, no caso, o Código Brasileiro de Trânsito. 

Versão oficial

Por telefone, o secretário da Secretaria de Gestão do Território e Habitação (Segeth), Thiago Andrade, salientou que o governo está, sim, tomando várias providências para acelerar a análise e aprovação de projetos. No entanto, assegura, os erros da gestão passada ainda consomem muito a energia dos órgãos de controle. “Os erros do passado, com certeza, atrapalham a agilidade nos processos de hoje”, disse. 

Entre as ações, destacou, a Casa Civil, o Detran, o DER e a pasta estão revisando as exigências do RIT. “Estamos trabalhando em conjunto”, apontou. Além disso, afirmou, a pasta está revisando o Código de Obras do DF. “Em 23 reuniões, fizemos a finalização do texto”, acrescentou. Outro ponto que pode acelerar o processo é a devolução da análise de projetos de construção e reforma para unidades unifamiliares, tapumes e engenhos publicitários voltam para as administrações regionais. “De 50% a 60% dos projetos voltam. Isso vai agilizar o trabalho da CAP (Central de Aprovação de Projetos)”, ponderou.

Sindicato diz que as obras pararam

Ontem, como mostrou o JBr., o presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do DF (Sinduscon-DF), Luiz Carlos Botelho, afirmou que a situação cria um genocídio econômico para o DF, que tem 60% de sua economia baseada na construção civil. “A burocracia veio sendo edificada nesses 15 anos e chegou ao teto da inviabilização de investimentos”, disse.

O presidente do Sinduscon-DF, Luiz Carlos Botelho, avalia que a construção pública parou por falta de recursos financeiros e, em particular, porque o mercado está carente de viabilidade econômica. 

Dessa forma, segundo Botelho, as “duas pernas” do ciclo econômico brasiliense pararam de andar. “Eliminou-se a cadeia construtiva da construção civil”, observou. Por isso, a alternativa tem sido batalhar por uma saída: “Nós estamos reagindo, buscando solução e vamos continuar batalhando”.

Noroeste decepciona

Segundo o presidente da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi), Paulo Muniz, tem empresário desistindo do Noroeste. A região, que ainda parece um grande canteiro de obras, também sofre com a burocracia na expedição de Habite-se. A carta só foi liberada para parte das construtoras do local em fevereiro deste ano. 

Em relação ao Noroeste, a comunicadora Denise de Quadros, de 42 anos, diz que foi um problema generalizado. “No início do ano, foi assinado um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) entre os órgãos envolvidos na questão e, em 17 de fevereiro, o Habite-se foi liberado”, conta. 

Até o início do ano, aproximadamente 900 proprietários de imóveis dos cinco empreendimentos João Fortes Engenharia (Atrium D’or, Atrium D’argent, Atrium Platine, Due Capri e Due Murano), no bairro, sofriam pela demora na entrega dos apartamentos por falta de Habite-se. Na época, a empresa, procurada pelo Jornal de Brasília, alegou ter sido “pega de surpresa” pela informação sobre a obrigatoriedade do RIT. 

Não só os moradores do Noroeste sofrem com a burocracia e inércia do governo. A comerciante Isa Nobre, dona de uma revistaria no local, assegura que a promessa era de um bairro pronto e acabado. No entanto, até hoje, mais de um ano depois, a iluminação pública, o asfalto, a segurança pública e a sinalização são “precárias”. 

Falta tudo


“Falta tudo aqui. Os moradores até são solidários e nos apoiam, mas não tem nada do que foi prometido. As ruas são mal organizadas, a iluminação é péssima. Sair aqui à noite é um risco, porque também não tem policiamento”, aponta a comerciante Isa Nobre.

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