Dois candangos e uma cidade paralisada pela burocracia - Portal Metrópoles

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Mirelle Pinheiro e Letícia Carvalho
Portal Metrópoles


Empresários, arquitetos, engenheiros e representantes do setor produtivo são unânimes em apontar que a ineficiência da Central de Aprovação de Projetos (CAP) do GDF tornou-se um entrave para o desenvolvimento do Distrito Federal


Criada em janeiro de 2015, a Central de Aprovação de Projetos (CAP) do Governo do Distrito Federal surgiu com a promessa de desburocratizar a análise e a liberação de obras na capital da República. Em um ano e quatro meses de existência, no entanto, o que se viu foram pilhas e mais pilhas de propostas acumuladas nas mesas dos poucos funcionários que despacham no órgão. E a CAP, em vez de ser solução para um sistema disperso e corrompido, acabou transformando-se na pedra fundamental da burocracia no DF.

Em uma sala improvisada de um antigo prédio do Setor Comercial Sul, pastas repousam amontoadas à espera de uma primeira análise. Atualmente, 2.724 projetos aguardam a aprovação dos 40 analistas que compõem o quadro de 112 funcionários do órgão. Uma média de 68 plantas de grandes empreendimentos, como hotéis, edifícios residenciais e comerciais, por técnico.

 
De janeiro a abril deste ano, foi emitido pela CAP um total de 148 alvarás de construção, ou seja, uma obra foi liberada por dia. Quantidade irrisória, incoerente com as características de uma metrópole em formação. A cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, aprovou 8.302 projetos ao longo de 2015, o que equivale a uma média de 22,7 empreendimentos por dia. No mesmo período, São Paulo atingiu a marca de 2.796 plantas liberadas, ou 7,6 empreendimentos a cada 24 horas. No caso de Belo Horizonte, foram 2.312 projetos e uma média diária de 6,3 propostas.
 
Embora Brasília seja a mais nova entre essas capitais e ainda ostente grandes espaços vazios, segue na lanterna do processo de análise e aprovação de projetos de obras. Durante todo o ano passado, foram liberadas apenas 645 propostas, o que significa menos de duas aprovações por dia (1,7). Somente nas asas Sul e Norte, há 93 lotes vazios, à espera de empreendimentos. Alguns deles adiados pela própria vontade dos proprietários, como é o caso da Universidade de Brasília (UnB). Mas boa parte desses lotes continuam ociosos pela dificuldade de seus donos em vencer a burocracia da CAP.
 
Ao falhar na fase mais básica do processo, o princípio, o governo compromete toda a cadeia produtiva que gera desenvolvimento. Cenário que já seria ruim em tempos de prosperidade torna-se devastador numa época de crise econômica, em que o próprio GDF perdeu sua capacidade de investimento.
 
Certamente não é por escolha, mas por falta de opção, que o governador Rodrigo Rollemberg (PSB) inclui entre seus compromissos oficiais inauguração de pista de corrida, poste de iluminação pública, praças, estações de bicicleta. Em uma década, 2015 tornou-se o ano de investimento mais minguado. Foram liquidados R$ 320 milhões, um terço do que se gastou no ano anterior, o último da já travada gestão petista.

Sem condições de patrocinar o desenvolvimento de Brasília, o governo, com suas práticas burocráticas, ainda achata a capacidade do setor privado, que, mesmo oprimido pela crise econômica, ainda encontra meios para empreender.

Na série de reportagens Dois candangos e uma cidade paralisada pela burocracia, o Metrópoles vai revelar a primeira de muitas paradas na via crucis dos empreendedores que investem na capital federal – a dificuldade que enfrentam antes mesmo de cercar o canteiro de obras, na hora de aprovar um projeto.
 
Capítulo 1

CAP, a pedra fundamental da burocracia no DF
 
As três letrinhas que resumem a Central de Aprovação de Projetos parecem descomplicadas, mas falar em CAP para empresários é como soltar um palavrão. Há uma unanimidade sobre a avaliação do órgão: tornou-se uma convergência da burocracia no Distrito Federal. Antes, no entanto, de dar voz às testemunhas dessa rotina baseada nos pilares da falta de estrutura e das normas ultrapassadas, é preciso entender como funcionava o sistema.

A implementação da CAP, fisicamente localizada na área central de Brasília, substituiu a antiga Diretoria de Análise e Aprovação de Projetos (Diaap). O que antes era resolvido nas administrações regionais passou a ser de responsabilidade da CAP. Em tese, a centralização do processo deveria ser positiva, porque facilita o acesso dos empresários e o controle das autoridades. Mas, na prática, a mudança na dinâmica de aprovação das plantas não eliminou etapas, nem diminuiu o tempo gasto. Todos os projetos protocolados na CAP são analisados por uma das três diretorias existentes no órgão, que estudam obras de grande, pequeno e de médio porte, além dos empreendimentos públicos. 

Em última instância, quem administra essa central é a Secretaria de Gestão do Território e Habitação (Segeth). E o parâmetro de prazos e regras estabelecidos para o serviço está detalhado em uma cartilha oficial lançada pela Segeth. Lá, está dito que se leva 30 dias para a análise do plano de obra. Após a entrega do processo para o empresário, ele tem mais 30 dias para cumprir as exigências. 

Na matemática da cartilha de aprovação de projetos, dois meses é a soma entre a análise do plano de obra e os ajustes de engenheiros e arquitetos para o empreendimento. Razoável. O problema é que esse ritmo está longe de ser uma ciência exata. Entre idas e vindas, somam-se até 24 meses de demora entre o dia do protocolo e o carimbo da liberação para a obra. 

Embora empresários relatem com frequência prazos que chegam a dois anos de espera, o secretário da Segeth, Thiago de Andrade, estima uma média de oito meses para a aprovação dos projetos na CAP, tempo quatro vezes maior que o proposto pela própria cartilha do GDF. Em entrevista ao Metrópoles, o chefe da pasta admitiu que o sistema ainda hoje funciona de forma “arcaica”. 

O período estipulado pelo secretário foi ultrapassado, e muito, no caso do engenheiro civil Renato Dias. Ele é um dos sócios da Embre Engenharia e tem um lote de 55 mil m² no Lago Sul, região mais valorizada de Brasília. O empresário espera a liberação para construir no bairro há quatro anos. Ele estima que, se o seu empreendimento já estivesse construído, estaria empregando 600 pessoas. “Esse é o preço da burocracia”, adverte o engenheiro. 

No dia 13 de maio, a reportagem esteve em frente ao protocolo da CAP. Em meio período observando o movimento, o Metrópoles reuniu uma série de reclamações de empresários e de representantes das construtoras. O gestor imobiliário Erivaldo Ramos é um desses inconformados com a marcha lenta da CAP. Carregando um amontoado de documentos e sem conseguir estimar o número de visitas que já fez ao local, ele ansiava sair naquele 13 de maio com uma resposta positiva em relação aos projetos que representa. 

José Júnior Goulart planeja fazer uma reforma em um de seus prédios comerciais de Águas Claras. O empresário conta que o projeto foi submetido à análise da CAP em 17 de julho de 2015. Praticamente um ano depois, Goulart havia vencido apenas a primeira etapa do calvário das autorizações — recebera do órgão as exigências que deveria cumprir para dar sequência ao projeto, num prazo onze vezes maior do que o estipulado oficialmente. Sem querer se identificar, um representante de um plano de saúde esbravejou ao ser abordado pela equipe do Metrópoles. “Isso aqui é um inferno”, resumiu a insatisfação ao ver que seus empreendimentos continuariam aguardando a aprovação.

Desemprego
 
Impedidos de empreender, empresários da construção civil contam os prejuízos. Alexandre Matias, fundador do Grupo Cygnus, calcula que tem R$ 1 bilhão em empreendimentos parados. Ele coleciona 18 projetos em análise na CAP. Se aprovados, Matias dará início à construção de 2 mil unidades comerciais e residenciais no DF. Por enquanto, sua história não é de prosperidade, mas de crise. Em função da demora na liberação de suas plantas e o consequente adiamento das obras, Alexandre diz que demitiu 250 trabalhadores no último ano.
 
Há quase uma década no mercado do DF, a Construtora e Incorporadora Habitar teve que encolher 50% de seu tamanho em 2015. Com nove projetos parados na CAP, a empresa dispensou 150 funcionários. O advogado e especialista em direito urbanístico Mateus Oliveira confirma que a construção civil é o principal motor de uma economia. Quando essa peça não funciona, toda a cadeia produtiva estaciona: “Tantos projetos parados levam a um resultado desastroso para a geração de empregos e na arrecadação de impostos”. 

Os brasilienses sentem o reflexo dessa retração. A última pesquisa divulgada em maio pelo governo, em parceria com Dieese e a Fundação Seade, mostrou que a taxa de desemprego saltou de 14,1% em abril do ano passado para 18,6% em abril deste ano. Nesse mesmo mês, o contingente de desocupados foi estimado em 290 mil pessoas, oito mil a mais que no período anterior. 

De janeiro de 2015 a fevereiro deste ano, a Associação de Empresas do Mercado Imobiliário do Distrito Federal (Ademi) registrou mais de 40 mil demissões no setor. “Temos 168 projetos dos nossos associados estagnados na CAP, o que totaliza uma área ociosa de 2.765.155 m²”, disse o presidente da Ademi, Paulo Muniz. A fatia equivale a praticamente metade de todo o Distrito Federal. Segundo ele, esse cenário representa uma perda de R$ 13 bilhões para as empresas. Um desperdício que expõe duas vezes o governo da capital da República, por não conseguir estimular o crescimento e por paralisar um setor pronto para empreender.

Confira o segundo e o terceiro capítulo da reportagem especial. 

 
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