Desemprego na construção civil leva seis mil a atuarem como autônomos no DF - Jornal de Brasília

Desemprego na construção civil leva seis mil a atuarem como autônomos no DF - Jornal de Brasília
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Eric Zambon
Jornal de Brasília 


Onda de demissões força trabalhadores a esquecer carteira assinada e recorrer à informalidade para conseguir sobreviver 

Sem oportunidades com carteira assinada, os trabalhadores da construção civil recorrem à informalidade para conseguir sobreviver. Entre janeiro e fevereiro deste ano, o sindicato da categoria registrou duas mil demissões em Brasília, enquanto a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), da Companhia de Planejamento do DF (Codeplan), apontou que seis mil novos postos de trabalho foram preenchidos no período. Conforme os representantes do setor, essa diferença pode ser explicada pela forte presença dos autônomos. 

A pesquisa da PED pergunta aos entrevistados se eles desenvolveram algum tipo de atividade profissional nos 30 dias anteriores ao questionamento e inclui aqueles que prestaram eventuais “bicos” e serviços informais na categoria de empregados. Os sindicatos, por sua vez, se baseiam no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho e da Previdência Social (MTPS), que contabiliza apenas os assalariados de carteira assinada. 

Segundo o Caged, nos dois pri meiros meses de 2016 aconteceram 1,5 mil demissões a mais em relação à quantidade de admissões na construção civil do DF. 

Mais labuta, menos grana 

A coordenadora da PED pelo Dieese, Adalgiza Amaral, afirma ser necessário acompanhar o fenômeno devido à contradição dos fatos. "Não estão acontecendo novos investimentos no setor, pelo contrário", salienta. Ela acredita que os trabalhadores da construção civil tenham preferido prestar serviços individuais, como reparos rápidos e pequenas obras, para compensar a falta de emprego. A saída encontrada por eles, no entanto, teria influenciado a queda do rendimento médio mensal dos trabalhadores autônomos. 

"Na comparação entre janeiro de 2015 e janeiro deste ano, vemos redução de 13,10%", pontua. “O rendimento médio dos informais, que era de R$ 2.460 no último ano, caiu para R$ 1.777 em 2016”, expõe a coordenadora. Além do efeito sobre a renda dos autônomos, entidades trabalhistas se preocupam com as condições de segurança desses trabalhadores que preenchem o mercado. 

Porteiro "tira um troco" com reformas 

A primeira profissão de Josemar Fernandes de Castro, 37 anos, é porteiro. Ele trabalha há 18 anos na função, mas devido à necessidade de aumentar a renda familiar, começou a fazer trabalhos ligados à construção, especialmente reforma de apartamentos. “Comecei ajudando meu irmão, fazendo coisas simples, mas fui me aperfeiçoando e hoje já faço tudo sozinho”, orgulha-se. Ele garante ser possível “tirar um troco” bom, mas lamenta que para não perder a clientela foi obrigado a reduzir os preços praticados. 

“Nesse último ano teve crise e muita coisa a gente tem que rever o valor. Um apartamento vazio, por exemplo, eu pintava por R$ 900. Agora faço por R$ 700, até R$ 600”, expõe Castro. Apesar disso, o morador de Jardim Ingá não pensa em parar as atividades e nem tem planos de se formalizar na construção civil. Para ele, é mais vantajoso manter o esquema atual. 

Há quem prefira fazer bico no trabalho informal 

O ponto de trabalho mais frequente de Josemar Castro é o Sudoeste, especialmente devido aos clientes do prédio onde é porteiro. Para o trabalhador, a região administrativa manteve a quantidade de demandas por esse tipo de serviço. “O que acontece é que agora as pessoas choram por preço e a gente tem que atender. Baixei os valores e consegui manter minha demanda”, revela. Ele afirma que não pretende trocar a informalidade na construção civil pela carteira assinada, pois não sabe se “teria as mesmas garantias”. “Eu faço meu dinheirinho e tenho conseguido sustentar bem minha família. Por que mudar, né?, indaga, de bom humor. 

Caminho inverso

O pedreiro Francisco Gomes, de 44 anos, seguiu caminho inverso ao de Josemar e comemora o fato. Após dois anos sem carteira assinada e vivendo de trabalhos informais, ele arranjou emprego como ajudante de depósito para uma grande empresa. “A crise me atrapalhou bastante a conseguir alguma coisa”, justifica.

 
“Eu trabalhei no aeroporto até uns dois anos atrás, quando não renovaram o contrato da minha empresa e eu fui mandado embora. Voltar (ao mercado) é um alívio”, desabafa. Gomes não se orgulha de ser um ponto fora da curva, mas acredita que com carteira assinada existam melhores condições de trabalho. “Agora tem que ter mais investimento dos políticos, do governo, para a construção civil voltar a crescer e gerar trabalho”, opina.
 
O recém-contratado diz nunca ter visto uma situação tão ruim para os empregados do setor como nos últimos dois anos. Mesmo assim, acredita que o momento é de ser otimista. “Tem que acreditar que vai melhorar, né?! Acho que atingimos o fundo do poço e do fundo não desce mais”, brinca. Para ele, uma preocupação é não apenas criar novas vagas em empreiteiras e obras, mas também garantir que haja condições dignas para exercer a profissão.
 
As situações de trabalho são justamente as preocupações do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do Mobiliário de Brasília (STICMB). Para a entidade, o aumento de autônomos propicia a piora na segurança, pois muitos informais não se atentam às normas e se colocam em risco.
 
Sindicato preocupado
 
O presidente do STICMB, Raimundo Salvador da Costa Braz, alerta para a possibilidade das grandes empresas se valerem do trabalho informal para reduzir o custo com a mão de obra. "O próprio Ministério (Público do Trabalho) tem dificuldade de fiscalizar os canteiros. As que conseguimos fiscalizar são de empresas cadastradas, regularizadas", explica. Quanto aos dados da PED, que apontaram a criação de 6 mil vagas, ele acredita que eles mascaram a realidade do setor. Nesse ponto, a entidade dos patrões concorda com a dos empregados.
 
"Esses dados (do Caged) são mais fidedignos à realidade. Não dá para acreditar nessa PED mais", alfineta presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon), Luiz Carlos Botelho. Segundo ele, existem apenas 19 mil postos de trabalho ocupados atualmente e sem perspectivas de melhora a curto prazo. "O investidor privado parou. Quis tomar fôlego no último ano, mas a situação conjuntural do País o sufocou. É por isso que está tudo devagar", conclui.

Saiba mais
 
De acordo com a Codeplan, em fevereiro de 2016 o DF apresentou sua maior taxa de desemprego dos últimos seis anos. São mais de 270 mil pessoas sem uma ocupação formal na cidade, o equivalente a 17,2% da População Economicamente Ativa (PEA). Apesar de contribuir em 4% com o Produto Interno Bruto (PIB) da capital, a indústria da construção tem apenas 5% de nível de ocupação na cidade, atrás do Administração Pública (15%), Comércio (19%) e do setor de Seviços (56%). 
 
Conforme a Ademi, aconteceram 52 mil demissões na construção civil do DF entre janeiro de 2015 e fevereiro deste ano. Como para cada emprego no setor haveria outros quatro postos indiretos atrelados àquele, a estimativa da associação é de que mais de 192 mil pessoas tenham sido atingidas.
 
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