Mirelle Pinheiro e Letícia Carvalho
Portal Metrópoles
Empresários, arquitetos, engenheiros e representantes do setor produtivo são unânimes em apontar que a ineficiência da Central de Aprovação de Projetos (CAP) do GDF tornou-se um entrave para o desenvolvimento do Distrito Federal
Criada em janeiro de 2015, a Central de Aprovação de Projetos (CAP) do Governo do Distrito Federal surgiu com a promessa de desburocratizar a análise e a liberação de obras na capital da República. Em um ano e quatro meses de existência, no entanto, o que se viu foram pilhas e mais pilhas de propostas acumuladas nas mesas dos poucos funcionários que despacham no órgão. E a CAP, em vez de ser solução para um sistema disperso e corrompido, acabou transformando-se na pedra fundamental da burocracia no DF.
Em uma sala improvisada de um antigo prédio do Setor Comercial Sul, pastas repousam amontoadas à espera de uma primeira análise. Atualmente, 2.724 projetos aguardam a aprovação dos 40 analistas que compõem o quadro de 112 funcionários do órgão. Uma média de 68 plantas de grandes empreendimentos, como hotéis, edifícios residenciais e comerciais, por técnico.
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Sem condições de patrocinar o desenvolvimento de Brasília, o governo, com suas práticas burocráticas, ainda achata a capacidade do setor privado, que, mesmo oprimido pela crise econômica, ainda encontra meios para empreender.
Na série de reportagens Dois candangos e uma cidade paralisada pela burocracia, o Metrópoles vai revelar a primeira de muitas paradas na via crucis dos empreendedores que investem na capital federal – a dificuldade que enfrentam antes mesmo de cercar o canteiro de obras, na hora de aprovar um projeto.
CAP, a pedra fundamental da burocracia no DF
A implementação da CAP, fisicamente localizada na área central de Brasília, substituiu a antiga Diretoria de Análise e Aprovação de Projetos (Diaap). O que antes era resolvido nas administrações regionais passou a ser de responsabilidade da CAP. Em tese, a centralização do processo deveria ser positiva, porque facilita o acesso dos empresários e o controle das autoridades. Mas, na prática, a mudança na dinâmica de aprovação das plantas não eliminou etapas, nem diminuiu o tempo gasto. Todos os projetos protocolados na CAP são analisados por uma das três diretorias existentes no órgão, que estudam obras de grande, pequeno e de médio porte, além dos empreendimentos públicos.
Em última instância, quem administra essa central é a Secretaria de Gestão do Território e Habitação (Segeth). E o parâmetro de prazos e regras estabelecidos para o serviço está detalhado em uma cartilha oficial lançada pela Segeth. Lá, está dito que se leva 30 dias para a análise do plano de obra. Após a entrega do processo para o empresário, ele tem mais 30 dias para cumprir as exigências.
Na matemática da cartilha de aprovação de projetos, dois meses é a soma entre a análise do plano de obra e os ajustes de engenheiros e arquitetos para o empreendimento. Razoável. O problema é que esse ritmo está longe de ser uma ciência exata. Entre idas e vindas, somam-se até 24 meses de demora entre o dia do protocolo e o carimbo da liberação para a obra.
Embora empresários relatem com frequência prazos que chegam a dois anos de espera, o secretário da Segeth, Thiago de Andrade, estima uma média de oito meses para a aprovação dos projetos na CAP, tempo quatro vezes maior que o proposto pela própria cartilha do GDF. Em entrevista ao Metrópoles, o chefe da pasta admitiu que o sistema ainda hoje funciona de forma “arcaica”.
O período estipulado pelo secretário foi ultrapassado, e muito, no caso do engenheiro civil Renato Dias. Ele é um dos sócios da Embre Engenharia e tem um lote de 55 mil m² no Lago Sul, região mais valorizada de Brasília. O empresário espera a liberação para construir no bairro há quatro anos. Ele estima que, se o seu empreendimento já estivesse construído, estaria empregando 600 pessoas. “Esse é o preço da burocracia”, adverte o engenheiro.
No dia 13 de maio, a reportagem esteve em frente ao protocolo da CAP. Em meio período observando o movimento, o Metrópoles reuniu uma série de reclamações de empresários e de representantes das construtoras. O gestor imobiliário Erivaldo Ramos é um desses inconformados com a marcha lenta da CAP. Carregando um amontoado de documentos e sem conseguir estimar o número de visitas que já fez ao local, ele ansiava sair naquele 13 de maio com uma resposta positiva em relação aos projetos que representa.
José Júnior Goulart planeja fazer uma reforma em um de seus prédios comerciais de Águas Claras. O empresário conta que o projeto foi submetido à análise da CAP em 17 de julho de 2015. Praticamente um ano depois, Goulart havia vencido apenas a primeira etapa do calvário das autorizações — recebera do órgão as exigências que deveria cumprir para dar sequência ao projeto, num prazo onze vezes maior do que o estipulado oficialmente. Sem querer se identificar, um representante de um plano de saúde esbravejou ao ser abordado pela equipe do Metrópoles. “Isso aqui é um inferno”, resumiu a insatisfação ao ver que seus empreendimentos continuariam aguardando a aprovação.
Os brasilienses sentem o reflexo dessa retração. A última pesquisa divulgada em maio pelo governo, em parceria com Dieese e a Fundação Seade, mostrou que a taxa de desemprego saltou de 14,1% em abril do ano passado para 18,6% em abril deste ano. Nesse mesmo mês, o contingente de desocupados foi estimado em 290 mil pessoas, oito mil a mais que no período anterior.
De janeiro de 2015 a fevereiro deste ano, a Associação de Empresas do Mercado Imobiliário do Distrito Federal (Ademi) registrou mais de 40 mil demissões no setor. “Temos 168 projetos dos nossos associados estagnados na CAP, o que totaliza uma área ociosa de 2.765.155 m²”, disse o presidente da Ademi, Paulo Muniz. A fatia equivale a praticamente metade de todo o Distrito Federal. Segundo ele, esse cenário representa uma perda de R$ 13 bilhões para as empresas. Um desperdício que expõe duas vezes o governo da capital da República, por não conseguir estimular o crescimento e por paralisar um setor pronto para empreender.
Confira o segundo e o terceiro capítulo da reportagem especial.