Entulho, problema compartilhado – Correio Braziliense

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Luiz Calcagno
Correio Braziliense

O descarte irregular de restos de obras, além de desencadear série de riscos à população, exige trabalho em conjunto para recolhê-los

Por ano, o Serviço de Limpeza Urbana (SLU) gasta cerca de R$ 21,4 milhões com coleta mecanizada de entulho. São 751.585 toneladas de resíduos diversos, grande parte deles descartado irregularmente, em áreas de cerrado e terrenos baldios. Além disso, o DF tem pelo menos 1 mil espaços semelhantes de descarte irregular de lixo composto por rejeitos domiciliares, móveis, eletrodomésticos, pneus e, principalmente, restos de obras. Alguns, inclusive, a poucos quilômetros de pontos de coleta legais. Os amontoados são, no geral, alimentados por pequenas empresas de construção e moradores e estão longe de ser somente um problema financeiro e administrativo. Poluem o solo, destroem a natureza e atraem insetos e animais com doenças.

Médico veterinário da Diretoria de Vigilância Ambiental (Dival) da Secretaria de Saúde, Laurício Monteiro alerta para os riscos que as zonas de descarte clandestino podem trazer para a população. “Os amontoados servem de abrigo e de criadouro para aranhas, escorpiões, cobras e ratos. No período de chuvas, são propícios a larvas de mosquitos. Entre eles, o Aedes aegypti, vetor da febre chicungunha, do zika vírus e dos vários tipos de dengue”, menciona Laurício.

Esse tipo de material também serve a catadores. O DF tem, hoje, cerca de 2,8 mil desses trabalhadores e, parte deles, mexe nos rejeitos abandonados nesses locais em busca de material reciclável. Há, ainda, grupos que abandonam a própria casa para viver dos restos da sociedade e se misturam às cerca de 3 mil pessoas em situação de rua da capital federal, segundo dados da Secretaria do Trabalho, Desenvolvimento Social, Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos. Eles criam pequenos acampamentos e costumam organizar o lixo recolhido em montes separados para facilitar a venda.

O Correio precisou de apenas 30 minutos para fazer alguns flagrantes à luz do dia e no meio da semana. Na QNP 30 de Ceilândia, pelo menos dois motoristas pararam os carros, um deles em um Gol e outro em um Hyundai preto, e lançaram no terreno uma série de sacolas guardadas no porta-malas. Os motoristas saíram sem falar com a reportagem. Detalhe: a área de cerrado fica a cerca de 2km de um Papa-entulho e da usina de lixo do SLU. O ponto de descarte irregular também continha pilhas de material de obra, pelo menos três sofás e calçados. Há outros pontos de descarte ilegal nas proximidades.

Uma mulher que conversou com a reportagem argumentou que a situação é necessária para que algumas pessoas consigam tirar o próprio sustento. O catador Geraldo Manoel Barbosa, 55 anos, visita a região diariamente com uma carroça de tração humana e tira de R$ 15 a R$ 40 em recicláveis por dia. “Cato latinhas, papelão, papel branco, ferro e, quando encontro, cobre”, conta. De sandália no meio da sujeira, machucou-se diversas vezes revirando e caminhando sobre o entulho. “Já me feri com metal, prego e cacos de vidro. Tomo cuidado, mas nem adianta usar bota. Se você pisa em algo pontudo, atravessa tudo”, queixa-se.

Para a diretora-presidente do SLU, Kátia Campos, o descarte de resíduos sólidos em locais adequados traria economia para o Estado, além de proteger o meio ambiente e melhorar as condições de higiene e saúde da população. “Em vez de visitarmos aleatoriamente diversos pontos do DF com caminhões e máquinas para fazer a coleta, iríamos aos pontos certos, de modo planejado. Isso seria muito mais barato para os cofres públicos”, salienta.

Segundo ela, o órgão vive um dilema. Se não faz a limpeza, há danos ao meio ambiente e risco de doenças à população. Se faz, passa uma mensagem errada, a de que basta jogar o lixo na rua que o governo recolhe. “Por isso, toda vez que surgem reclamações, solicitamos uma reunião com a comunidade para pedir que as pessoas não usem a área para descarte. Pedimos que as pessoas denunciem para o SLU, que monitora as empresas, e para a Agência de Fiscalização do DF (Agefis), que vigia o cidadão”, diz.

Convivência

Outra ideia adotada foi a criação dos Papa-entulhos. São locais que recebem lixo selecionado da população e dá destino correto aos rejeitos. Há sete no Distrito Federal: em Ceilândia, no Gama, no Guará, em Brazlândia, em Planaltina, em Taguatinga e no P Sul. “São locais que fazemos questão de deixar limpo e arrumado, com flores e até bancos, para afastar a ideia de que descarte de lixo tem a ver com sujeira. Tem a ver com limpeza, com organização. O Papa-entulho é um ponto de entrega de pequenos volumes, e a nossa meta é instalar 62, para que cada morador do DF esteja distante 2,5km de um desses locais. Mais uma estratégia é ajudar a população a construir espaços de convivência em antigos lixões. Doamos pneus para canteiros, e a Novacap contribui com mudas de árvores”, detalha Katia.

Educação e reaproveitamento

A multa para quem deixa lixo em terreno baldio e em áreas de cerrado varia de R$ 74,39 a R$ 199.718. O valor não considera se o flagrante é feito contra um morador ou um proprietário de uma pequena, média ou grande empresa. Leva em conta a quantidade de lixo, o tipo de material dispensado, o local — se fica próximo a um manancial ou uma nascente, por exemplo, o valor pode aumentar — e a reincidência.

O SLU e a Agefis, no entanto, precisam do auxílio da população para flagrar os abusos e coibi-los. Para se ter uma ideia da dimensão do serviço, a agência conta com 169 fiscais para cobrir as 1 mil áreas de entulho e lixo irregulares em todo o DF. Segundo a superintendente de Fiscalização de Resíduos da Agefis, Adriana Moreira, o órgão também tenta educar a população e as empresas. “Temos ações educativas e preventivas e ainda multamos. Quem reincide paga dobrado. Quando a pessoa envia a denúncia, identificando com dados ou imagens o carro ou o caminhão descartando o material, identificamos o autor e lavramos o auto de infração. Essa atitude não é um problema de fiscalização, mas de educação. E a responsabilidade tem de ser compartilhada”, afirma.

Plano de gestão

Ainda segundo Adriana, o descarte correto propicia reaproveitamento de material na construção de equipamentos públicos. “Servem de base para calçadas e ciclovias”, destaca. Diretor de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon-DF), Luciano Alencar defende o reúso. Segundo ele, o DF produz, 850kg por habitante ao ano de resíduos de obra, mas somente 2% desse total é reaproveitado. Para ele, o governo precisa dispor de mais espaços exclusivos para entulho na capital. “Existe a previsão de sete áreas de triagem e transbordo, mas somente uma está encaminhada, no Setor de Indústrias de Ceilândia”, lamenta.

Para Luciano, Brasília poderia reaproveitar como São Paulo, que reutiliza, em média, 25% dos resíduos por ano. “Teríamos capacidade, segundo o Plano Distrital de Saneamento Básico, de aproveitar até 42%. Isso seria ótimo para a capital. Até porque muito do que a construção civil usa por aqui vem de outras unidades da Federação”, afirma. Segundo ele, as empresas campeãs de descarte são as menores e as que estão começando. “Uma companhia que tenha condições de assumir uma obra grande precisa de um plano de gestão de resíduos para conseguir as autorizações necessárias com o governo e, dificilmente, se arriscaria dessa forma. O problema são as menores e, também, as reformas domiciliares. O sindicato orienta, educa, mas precisamos de um trabalho educativo maior do governo e de mais locais de descarte”, ressalta.

Situação incômoda

Brasília está entre as piores regiões do país na gestão do lixo. É o que indica o levantamento publicado na segunda edição do Índice de Sustentabilidade de Limpeza Urbana, elaborado pelo Sindicato das Empresas de Limpeza Urbana. O estudo mapeia como as cidades brasileiras cumprem as recomendações da Política Nacional de Resíduos Sólidos. Foram avaliados 3.049 municípios. Os estados de Santa Catarina e Paraná obtiveram a melhor colocação, com 70% das cidades entre as 50 melhores colocadas. O Lixão da Estrutural, o segundo maior da América Latina, foi o principal responsável pela má colocação da capital no ranking. 
 

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