Sonho e pesadelo

Sonho e pesadelo
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Dionyzio A. M. Klavdianos
Vice-presidente Administrativo-financeiro do Sinduscon-DF
Diretoria de Materiais, Tecnologia e Produtividade (Dimat)


No Valor Econômico de 16 de fevereiro, saiu uma notícia de que o déficit habitacional brasileiro caiu 10,7% entre 2010 e 2014. Segundo o jornal, “a política habitacional de interesse social do governo, foi fundamental para a redução deste déficit”.

De acordo com Carlos Eduardo Auricchio, diretor do Departamento da Indústria da Construção da Fiesp, “sem dúvida, o programa Minha Casa, Minha Vida foi o grande vetor dessa queda”.

Ano passado, Francisca realizou o sonho da casa própria em grande estilo. Adquiriu um imóvel na faixa três do programa em Valparaíso, cidade goiana no entorno de Brasília.

Pelo que conta, o empreendimento é aprazível e ela até já fez as devidas obras de reforma na casa, notadamente aquelas que garantem mais segurança ao imóvel. 

A Francisca está feliz? 

Nem tanto… Na verdade, o que ela quer é alugar a casa nova e voltar a morar em Brasília. 

Assim que ganhou as chaves, o plano era que o único filho solteiro, ainda adolescente, residiria lá durante a semana, enquanto ela, que dorme no emprego, o visitaria uma vez por semana e nos finais de semana. 

O menino não gostou nada do ambiente das escolas que visitaram e optou por continuar estudando em uma escola pública de Brasília. Todo dia, assim que acabavam as aulas, ele pegava o Metrô para a rodoviária do Plano Piloto de Brasília e de lá o ônibus para casa.

A mãe bem que tentou cumprir a ideia da visita semanal, mas desistiu na primeira tentativa. Apesar da distância da casa em que trabalha até a sua residência ser de cerca de 13 km em linha reta, ela gastou cerca de cinco horas no percurso de ida e volta dentro de ônibus desgraçadamente lotados e em péssimo estado de conservação.

Para piorar, um dia o filho e todos os demais ocupantes do ônibus em que viajava foram obrigados a descer do veículo para uma vistoria policial coletiva.

A filha casada estava com planos de se mudar para uma casa maior. Fizeram as contas juntas e Francisca verificou que o que economizariam em transporte para ela e o filho seria o suficiente para investirem em uma cota do aluguel, o suficiente para que o filho tivesse o direito de ocupar um quarto na casa. 

A pá de cal na sucumbência do sonho da casa própria veio agora no início do ano, depois de passar as férias lá. 

Em que pesem morar num condomínio, Francisca conta que, há tempos, não se faz mais a cobrança da taxa, para que os moradores tenham como arcar com serviços básicos de conservação, limpeza e segurança. O motivo? Muitos desistiram de arcar com o dever e, os quem se mantiveram, não acharam justo arcarem sozinhos com os custos que rendiam benefícios a todos.

Recentemente, um dos moradores, manobrando o caminhão, destruiu o portão de entrada do condomínio. Chamado a arcar com as responsabilidades do conserto, ele não concordou por julgar que, se o portão é de usufruto de todos, todos devem arcar com o conserto.

O portão continua estragado e, no período em que passou as férias lá, Francisca presenciou o roubo de, segundo ela, ao menos seis veículos. 

Ainda bem que havia construído o muro, pois ela passou as férias enfurnada dentro de casa. 

Segundo a matéria do Valor Econômico, “com base na Pnad, o levantamento aponta ainda que o ônus excessivo do aluguel é o grande fantasma dos que moram de modo inadequado”. 

Francisca fez e continua fazendo a sua parte, afinal, continua pagando em dia o financiamento de cerca de R$ 500,00 mensais. Mas, continuará a não usufruir do sonho da casa própria. Alugará a casa para alguém que, certamente não terá o mesmo carinho com a manutenção, enquanto ela continuará a morar mal aqui no centro, em uma casa que não é a dela.

A economista Ana Maria Castelo, coordenadora de Projetos de Construção da FGV, analisa que “o déficit precisa ser encarado pelos municípios das regiões metropolitanas em parceria com os estados, União e entes privados”.

Se dependesse de gente como a Francisca, a conta do déficit seria subtraída em uma unidade. Mas, enquanto o Estado e municípios não garantirem mobilidade e segurança, e gente como o motorista do caminhão aqui da história achar que o problema dele quem resolve são os outros, não terá jeito, vai continuar aumentando mesmo.  
 
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