Dionyzio Klavdianos
Presidente do Sinduscon-DF
Devido a pandemia, Ângela transferiu o consultório para o apartamento onde mora. Um prédio bonito, de projeto arquitetônico raro e ainda bastante preservado, numa das primeiras quadras construídas de Brasília.
Uma espécie de hall o interliga a outro siamês e conta com prumada única de elevadores, um social e outro de serviço, servindo a todo o prédio.
Quem chega, seja morador, visita ou trabalhador, transita pelo mesmo corredor até a porta da casa. Corredor longo, de piso em granitina branca, limitado num dos lados pela icônica parede de Cobogó, marca registrada dos prédios de Brasília.
Agora por lá chegam também clientes como eu, bem tratados na portaria e que trocam cumprimentos educados com os vizinhos.
Ângela mora sozinha, sozinha não, com um gato de 15 anos. Antes era um casal e desde que a companheira morreu, carente e cego, se apegou ainda mais à dona. Ciumento, quase sempre me aguarda no quarto consultório e um dia, quando nos demos conta, estava bebendo água do copo que eu deixara ao pé do divã.
A quadra é bem arborizada e quando chego com antecedência gosto de sentar num banco ergonômico de madeira e deixar o vento fresco, que corre solto pelo pilotis desimpedido, bater na minha cara.
Minha consulta é às quartas logo depois do almoço, mas por conta de compromissos recorrentes vez ou outra peço para mudar a agenda , normalmente para o final da tarde. Quando isto ocorre, não me furto em dar um pulo na pizzaria Dom Bosco e pedir duas duplas e mate. O ruim é que nesta hora o trânsito pra casa, moro no Park Way, costuma enganchar na altura da subida da floricultura da EPIA (Estrada Parque Indústria e Abastecimento).
Comentei com o Pedro Grilo que o prédio fazia por merecer o prêmio que o CAU (Conselho de Arquitetura e Urbanismo) oferece anualmente aos mais preservados da cidade. Não soube me dizer porque nunca tinha ganho, mas conhecia o prédio, acreditava que uma reforma prejudicara alguns quesitos que são levados em conta na avaliação e pediu que lhe enviasse as fotos. Vi agora que não enviei…
Mais gente no Plano Piloto poderia usar a casa como local de trabalho. Neste momento em que se debate o PPCUB (Plano de Preservação do Centro Urbano de Brasília) é pertinente se levantar a questão. Brasília está envelhecendo, como o gato da Ângela. Não nos cabe ser ciumentos como ele. Mais gente precisa ter uma boa história com ela para contar, do contrário, deserta e insegura, não vão nos deixar sentar nos bancos e sentir o vento fresco, que corre solto pelo pilotis desimpedido, bater na nossa cara.