Um terço das obras de presídios do Brasil está paralisada – O Globo

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Renata Mariz
O Globo

Erros de projetos, crise e burocracia são as principais causas; governo federal financia reformas com R$ 1,2bi

Enquanto a superlotação produz rebeliões, fugas e mortes em presídios pelo país, a construção de cadeias com recursos do governo federal segue a passos lentos. Uma em cada três obras está paralisada, aponta relatórios do Ministério da Justiça analisados pelo Globo. São 115 empreendimentos no total, mas 15 não chegaram nem a ser iniciados e 42 (36% do total) contam com menos de 10% do projeto executado. A data dos contratos mostra a lentidão crônica: o mais antigo é de 2006 e o mais recente, de 2013.

No total, as obras financiadas pela União, em parceria com os estados, envolvem R$ 1,2 bilhão de recursos federais para gerar 46,4 mil vagas. Não é suficiente para zerar o déficit atual, de cerca de 250 mil vagas, mas representaria um alívio no cenário de tensão carcerária que atinge todas as unidades da Federação. O governo coloca a responsabilidade pelos projetos emperrados nos estados. Os gestores locais, por sua vez, cobram mais recursos e menos burocracia.

Diretor-geral do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), ligado ao Ministério da Justiça, Marco Antônio Severo nega que falte dinheiro para tocar as obras. Ele afirma que as causas mais frequentes de lentidão e paralisação das construções são licitações mal feitas pelos estados, inadequação do local apontado para receber a penitenciária, projetos de engenharia com problemas, mudança de governo e até a crise econômica, que tem levado empresas a abandonar os empreendimentos.

— Às vezes a empresa joga o preço lá embaixo para ganhar a licitação. Aí aumentam os insumos, vem a crise, e elas desistem da obra. Há muitos problemas envolvidos. Da parte do ministério, o recurso existe e está empenhado (separado para pagamento futuro) — diz Severo.

O vice-presidente do Conselho Nacional dos Secretários de Justiça, Cidadania, Direitos Humanos e Administração Penitenciária (Consej), André Luiz de Almeida e Cunha, diz que o modelo usado hoje pelo governo federal para disponibilizar os recursos é “burocrático e complexo”. Ele estima em pelo menos dois anos o tempo entre ter o anteprojeto aprovado pelo Depen e o início da construção.

Isso porque, segundo Cunha, é preciso primeiro mandar um projeto executivo detalhado para a Caixa Econômica Federal, aguardar o aval do banco para só depois iniciar a licitação. Após escolhida a empresa, a obra começa de fato, explica o vice-presidente do Consej, que é superintendente do sistema penitenciário do Pará. Cunha aponta o projeto executivo como a parte mais delicada do processo e sugere que a União auxilie os estados na tarefa.

— A gente precisa licitar para contratar uma empresa de engenharia que faça o projeto executivo. Em geral, representa de 5% a 10% do valor final da obra, mas esse custo não está incluído no repasse da União, sai do cofre do estado. Gastamos pelo menos um ano com isso — aponta Cunha.

Ele afirma que o ideal é que o estado tivesse um projeto executivo pronto para apresentar ao governo federal na hora de captar recursos, mas aponta as dificuldades enfrentadas pelos gestores e cobra da União que financie os gastos nessa fase anterior ao início das construções:

— O dirigente fica receoso em gastar dinheiro com um projeto executivo sem ter certeza que conseguirá o investimento. O governo federal poderia incluir esse gasto nos recursos disponibilizados. Seria uma forma de agilizar o processo.

Aberson Carvalho, diretor de Planejamento e Gestão do Instituto de Administração Penitenciária do Acre, cobra mais investimentos da União, mas não só nos gastos com os projetos executivos. Também no custeio dos presídios, que ele aponta como elevados, citando a despesa de R$ 1,6 mil por mês com cada preso em cadeias acrianas:

— O investimento do governo federal hoje está aquém da necessidade. É caro construir, mas é muito mais caro manter.

No atual modelo, segundo Carvalho, o tempo médio de construção de um presídio padrão no Brasil, para cerca de 300 presos, é de cinco anos. Mas 36% das obras com recursos federais superam esse período. São contratos firmados com o Depen antes de 2011. Caso da Cadeia Pública em Águas Lindas de Goiás. Concebida para 300 presos, o projeto teve aval do governo federal ainda em 2009.

Sete anos depois, com 45% de execução, a obra tem paredes erguidas e cobertura na maior parte da estrutura. Mas, com o tempo, surgiram goteiras no teto dos prédios. A placa do governo federal oficializa o atraso, ao mostrar o término da construção: “04/12/2015”.

Obras nos Estados

Os estados com mais obras de presídios custeadas pelo governo federal são Paraná e Minas Gerais, que também lideram o ranking de empreendimentos paralisados. Dos 20 projetos paranaenses, 19 estão empacados. Mesma situação de oito das 13 construções em Minas, segundo relatórios do Ministério da Justiça. São Paulo é o terceiro em número de obras (11), mas não há nenhuma parada. Sergipe e Rio de Janeiro são os únicos estados sem contratos ativos com o Depen para criação ou reforma de penitenciárias.

Seis obras estão completando dez anos desde a parceria firmada com o Depen. Duas delas ficam em Rondônia: construção de penitenciária em Porto Velho e outra em Ariquemes. Outra está em Rorainópolis, em Roraima. Há também um projeto em São Félix do Xingu (PA), Crateús (CE) e Bom Jesus da Lapa (BA). O da Bahia chama atenção por ter 0% de execução, uma década depois de aprovado. O status atual da obra é “em análise na Caixa Econômica Federal”.

Para Cunha, do Consej, é inaceitável que uma obra demore tanto para ficar pronta, sobretudo diante da superlotação enfrentada em todo o país. Ele dá um exemplo do próprio Pará, cujo sistema prisional está sob sua administração, citando um projeto de 2008 financiado pelo Depen, em Marabá, que só foi inaugurado em 2015:

— Estamos falando de um equipamento simples, pequeno, para 90 internas, ao custo de R$ 5 milhões. Não é uma obra gigantesca, não é uma usina hidrelétrica, mas mesmo assim a demora é enorme. 

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