Agência CBIC
A Lei 13.786/2018, que regulamenta o distrato imobiliário e trata dos direitos e deveres de incorporadoras e adquirentes de imóveis nos casos de rescisão contratual, e a segurança jurídica que cerca o mercado foram debatidas, nesta quinta-feira (16/5), no seminário “Judiciário e o mercado imobiliário: um diálogo necessário”, no painel conjunto CII-CHIS/CONJUR, durante o 91ª Encontro Nacional da Indústria da Construção (ENIC), com a correalização do Senai Nacional.
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O vice-presidente jurídico da CBIC, José Carlos Braide Nogueira da Gama, ressaltou que, apesar de a Lei estar em vigor desde 2018, a CBIC continua trabalhando para buscar regularizar e regulamentar a questão dos distratos no mercado imobiliário. Para especialistas, o principal avanço da legislação é dar segurança jurídica para construtoras, incorporadoras, imobiliárias e adquirentes de imóveis, ao basear-se no princípio de que o cumprimento das obrigações contratuais é a regra e a rescisão, uma exceção.
“Existia uma lacuna franca para esse diálogo”, disse ele, antecipando que outros encontros entre representantes do mercado e do setor jurídico serão realizados em outros estados para debater o tema. “A CBIC pensa na solução para o país. Antes de ser empresários de um setor somos cidadãos”, afirmou Gama, que convidou o advogado e professor Sylvio Capanema de Souza a participar do debate.
Para o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro João Otávio de Noronha, a insegurança jurídica é um dos graves fatores que prejudicam os negócios imobiliários. “O Brasil precisa investir na construção civil”, disse o ministro, mas alertou para a necessidade de os legisladores trabalharem para que as regras de garantias contratuais sejam fáceis, transparentes e menos burocráticas. “O custo da garantia hoje no Brasil é alto. Para cada contrato há um registro”, completou.
O ministro Noronha afirmou que a sociedade e o mercado precisam observar dois vetores do direito: a justiça e a segurança jurídica, uma vez que os dois “brigam entre si” e caberia ao legislador perceber quando um deve ser considerado sobre o outro na busca da verdade real, para assim prevalecer o valor de justiça. “O legislador tem que tomar partido e não o juiz”, ponderou.
Porém, ressaltou, é fundamental que o Brasil incorpore códigos civis internacionais considerados mais avançados para encurtar os prazos prescricionais em contratos. E criticou o que denomina de “indústria da revisão de contratos”, que abarrota o Judiciário de processos de longo prazo e causa um grande mal ao país. “A tendência mundial é que os contratos não passem de cinco anos. Há hoje uma quantidade irracional de processos”, criticou o ministro, assinalando que o custo dessa onerosa sobrecarga de processos recai sobe o contribuinte.
Alerta similar fez o desembargador Claudio de Mello Tavares, presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ). Para ele, após 28 anos de vigência do Código de Defesa do Consumidor, é necessária uma revisão dos ternos que regem contratos de longo prazo.
“O setor imobiliário, como qualquer mercado que vem tentando se recuperar, precisa de segurança jurídica”, ponderou.
Especialista em Direito Imobiliário, o advogado Melhim Chalhub recordou no debate que até a promulgação da lei havia uma tensão social no plano judiciário e nas proposições legislativas. “A incorporação imobiliária vem sofrendo ataques sucessivos ao longo de décadas”, sustentou o advogado, para quem o desconhecimento dos juízes em geral sobre a economia dos negócios distorce decisões jurídicas, especialmente as destinadas aos distratos contratuais. “O juiz não tem a percepção de que os distratos podem quebrar o empreendimento, a incorporação imobiliária”.
Até o fim do ano passado, a falta de regras claras sobre distrato imobiliário provocou inúmeros litígios no país, cabendo ao Judiciário a palavra final. Como resultado, registraram-se diferentes linhas de decisões diante de casos específicos, como, por exemplo, o percentual do valor pago pelo adquirente em caso de rescisão unilateral. A complexidade do negócio imobiliário exige, no entanto, análises mais específicas e aprofundadas.
O objetivo da nova Lei dos Distratos, em vigor desde o fim do ano passado, é oferecer mais estabilidade ao mercado imobiliário, que, em conjunto com a construção civil, estão entre os principais pilares da economia brasileira.
Sobrecarga nos tribunais e segurança jurídica
Além das graves consequências para os adquirentes e incorporadores, o aumento no número de distratos imobiliários sobrecarrega os tribunais com milhares de processos, para os quais há todo tipo de sentença. O diálogo é a chave para superar os problemas, uma vez que a segurança jurídica é um item básico da atividade imobiliária. “Os impactos das decisões judiciais são enormes e podem prejudicar empresas, comprometendo incorporações, fazendo com que o imóvel retorne ao estoque da empresa. Isso é uma questão econômica que o direito por si só não vai dar solução. Cada vez mais se caminha para uma relação de consumo mitigada”, avaliou o desembargador do TJRJ, Luiz Roberto Ayoub.
Cabe destacar que a resolução dos contratos prejudica não apenas as incorporadoras. Os adquirentes adimplentes que estão honrando com suas obrigações também são atingidos, uma vez que o negócio imobiliário não se resume à transmissão de propriedade. Trata-se também de um instrumento de captação de recursos destinados prioritariamente à conclusão da obra, que é de interesse da coletividade, e não de interesse individual. Ou seja, o desfazimento do contrato gera reflexos negativos em todos os outros contratos.
Para o desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ), Werson Rêgo não há dúvida: a função da nova lei é garantir mais segurança jurídica, previsibilidade e mais clareza quanto a direitos e deveres para compradores e incorporadoras imobiliárias.
“O empresário precisa entender como funciona o Judiciário. Na mão inversa, os juristas precisam conhecer o mecanismo das empresas. O monólogo não resolve. É preciso falar e ouvir. Tenho que trabalhar pela convergência. Se a lei é boa ou ruim, tem que ser cumprida. Juiz não é legislador, é intérprete da lei”, declarou Rêgo.
O aumento dos casos de distrato ocorreu a partir de 2015, como consequência da crise econômica no país. Até o fim do ano passado, o assunto era regido pela Lei de Incorporações Imobiliárias, de 1964. Durante o agravamento da crise no setor imobiliário, com a queda dos preços durante o processo de construção, e sem uma regulação objetiva para os distratos, era comum um adquirente de imóvel solicitar o desfazimento do contrato e voltar ao mercado para adquirir o mesmo bem por preço inferior ao praticado na assinatura do negócio anterior.
Em casos mais graves, em especial aqueles incluídos no regime de patrimônio de afetação, diversas construtoras acabaram descapitalizadas durante o processo de incorporação. Isso acarretou, por exemplo, atrasos na data ajustada de conclusão, e, consequentemente, pagamento de indenizações aos demais adquirentes. A enxurrada de distratos provocou ainda aumento nos custos da incorporação, com despesas associadas à revenda das unidades devolvidas e encargos financeiros para obter o capital necessário para fazer frente às despesas extraordinárias geradas pelas rescisões.
Consumir no contexto da nova Lei
Entre os debatedores do painel, o advogado Antônio Ricardo Correia explanou sobre a parte específica da lei que trata do direito do consumidor, mostrando as diferenciações entre consumidor e adquirente não consumidor; entre distrato de especulação e distrato de necessidade e ônus da prova. Correia também ressaltou os direitos material e processual. “O cidadão dá um sinal de 300 mil reais por um imóvel cujo preço é de 500 mil reais. Na semana seguinte ele se vê desempregado e descobre que a esposa está com câncer. Ele quer o distrato. É ou não justo que ele receba de volta o sinal? É preciso ver a verdade dos fatos. Estabelecer o ônus da prova”, refletiu.
O setor sempre defendeu uma lei que desestimulasse o rompimento do contrato, uma vez que, com a quebra do termo ajustado, o imóvel retornaria inesperadamente à incorporadora, provocando outros prejuízos como o pagamento de taxas de condomínio, impostos e despesas de comercialização dos imóveis, além de inibir a construção de novos empreendimentos imobiliários.
Integrante do painel, o advogado André Abelha assinalou que os mercados imobiliário e financeiro “deram as mãos” em 2008, quando, por conta da confirmação das Olímpiadas no Rio de Janeiro e da Copa do Mundo, houve um boom de empreendimentos imobiliários e de obras de infraestrutura. Mas nem tudo foi positivo em meio a intensidade dos investimentos, sobretudo no mercado imobiliário. “Houve uma explosão de contratos, mas também de distratos, que inundaram o Judiciário no momento em que a economia começava a sua derrocada”, recordou o advogado, para quem estimular a negociação das partes de um processo pode ser mais eficiente à defesa do consumidor do que estender-se aos tribunais.
Promovido pela CBIC, o 91º ENIC terminará amanhã. O evento é uma realização do Sindicato da Indústria da Construção no Estado do Rio de Janeiro (Sinduscon-Rio) e conta com a correalização da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário do Rio de Janeiro (Ademi-Rio) e do Serviço Social da Indústria da Construção do Rio de Janeiro (Seconci-Rio).