Queda do viaduto: avisos foram ignorados pelo GDF – Jornal de Brasília

TAMANHO DA FONTE: A+ A A-

João Paulo Mariano
Eric Zambon
Jornal de Brasília

A queda do viaduto da DF-002 não ocorreu por falta de aviso. Pelo menos, é o que indicam o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Distrito Federal (Crea/DF), o Tribunal de Contas (TCDF) e o Sindicato da Indústria da Construção Civil do Distrito Federal (Sinduscon-DF). As instituições enviaram vários documentos ao GDF, deixando claro que havia necessidade de manutenção urgente, e que novos desabamentos podem ocorrer.

Em 2011, o Crea-DF enviou para o governo do petista Agnelo Queiroz propostas para melhorias estruturais em diversos locais. Uma delas era o viaduto da Galeria dos Estados, que ruiu na manhã de ontem. O documento citava, à época, que a Novacap possuía levantamento de algumas obras e até mesmo possibilidade para licitar a recuperação dos viadutos localizados próximos à rodoviária. “A condição patológica do viaduto sobre a Galeria dos Estados também já foi levantada e será projeto de providências imediatas”, informa o documento.

Em julho de 2012, foi a vez de o TCDF divulgar relatório sobre a conservação e manutenção de bens públicos. As estruturas de pontos importantes da Capital foram avaliadas, como as pontes Honestino Guimarães (Costa e Silva), das Garças, do Bragheto e viadutos dos Eixos L e W. Três pontos da DF-002 também foram citados, um deles o viaduto que despencou. O documento falava que o local “necessita de reparos e manutenção urgentes”.

Em nota, o TCDF informou que a única informação que recebeu foi em agosto de 2015 da Procuradoria-Geral do DF, afirmando que haveria a criação, via decreto, de um Comitê Gestor para a elaboração do Plano de Manutenção e Conservação do Patrimônio. Porém, “não houve, por parte do GDF, informação posterior sobre as atividades do Comitê, nem foi enviado ao Tribunal o mencionado Plano”.

Nesse mesmo período do relatório do TCDF, o Sindicato da Indústria da Construção Civil do Distrito Federal (Sinduscon-DF) alertou o governo sobre os problemas e falou sobre propostas de mudanças. “Não houve omissão por parte do corpo técnico do Distrito Federal e das entidades ligadas à engenharia em relação à condição de alerta e das providências necessárias para a eliminação de patologias e reforços estruturais”, assegura o presidente do Sinduscon-DF, Luiz Carlos Botelho.

Crea/DF defende demolição

Para o Crea/DF não há outro jeito: a demolição do restante do viaduto que desabou é o melhor remédio. Para a presidente do Conselho, Fátima Có, o escoramento do que sobrou pode trazer mais perigo quem precisa utilizar o espaço. Além disso, a entidade assegura a necessidade de inspeção na região do viaduto e que o escoramento seria ainda mais perigoso.

“Este viaduto já estava relacionado como uma emergência. (A queda) Foi por falta de manutenção e de reparo necessário”, afirma Fátima, que lembra que alguns pilares que sustentam a parte que está de pé estão danificados.

Para o Crea, os alertas foram feitos e infelizmente nada foi feito a tempo. Teria faltado “vontade política” pois a parte técnica foi cumprida. A entidade garante que há perigo de desmoronamento de outras estruturas viárias, pois grande parte dos viadutos e pontes do DF foram construídos há mais de 50 anos e passam pelos mesmos processos de deterioração.

Já o presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU/DF), Daniel Mangabeira, entende que ainda não é possível apontar que a demolição da estrutura que ficou em pé seja a melhor escolha, pois só o relatório de vistoria daria a certeza do que ocorreu e o que seria mais prudente a se fazer. Porém, acredita que a causa principal da queda seria a falta de manutenção.

“A cultura brasileira não é de manutenção, nem prevenção, tanto em locais privados, quanto em edificações públicas. Trata-se como um gasto insignificante”, lamenta.

Precariedade em vários pontos

O trajeto que o brasiliense faz todo dia tem os mesmos defeitos há anos e as imperfeições se tornaram parte da paisagem. Com o desabamento de parte do viaduto da Galeria dos Estados, essa banalidade salta aos olhos e cada buraco ou rachadura se torna um alerta.

O Jornal de Brasília percorreu pontos similares ao viaduto que ruiu e constatou que, mesmo a olho nu, não é difícil enxergar a precariedade de algumas edificações. Na Ponte Honestino Guimarães (antiga Costa e Silva), há um rombo tão grande na estrutura de base, ao lado da Praça dos Orixás, que virou point dos habitantes noturnos. Latinhas e objetos usados de higiene são vistos no espaço.

Em um viaduto paralelo ao Conic, próximo do local do incidente de ontem, um buraco na junção entre a estrutura e a pista que leva ao Eixo W Sul preocupa. Carlos Pereira, de 34 anos, diz trabalhar no estacionamento adjacente há quase cinco anos. Segundo ele, tanto a falha quanto as rachaduras estão lá durante todo esse tempo, com reparos pontuais sendo feitos.

“Já tamparam esse buraco aí, mas abriu de novo. Faz uns seis meses que cobriram, mas ele reabriu e parece que aumenta a cada dia”, denuncia. Ele critica a manutenção para o local e para outros pontos da cidade. Morador de Santa Maria, sua reclamação é com o modo como o dinheiro é aplicado. “Parece que é má gestão. Nunca usam a coisa certa para resolver as coisas”.

Os buracos na parte de baixo da Ponte do Braghetto, que liga a Asa Norte ao Lago Norte e ao caminho para Sobradinho e Paranoá, também denotam falta de manutenção. Há quatro anos, o Jornal de Brasília fez uma reportagem no local e levou um professor da Faculdade de Engenharia da Universidade de Brasília (UnB) para avaliar as condições da construção. Mesmo à época, a constatação foi da necessidade de intervenção urgente, o que não foi feito.

A Ponte das Garças apresenta falhas menos gritantes, mas uma rachadura no ponto de encontro entre a terra e a estrutura de ligação do Setor de Clubes com o Lago Sul revela a necessidade de manutenção. Corrosões e infiltrações ocorrem aos montes, principalmente na parte inferior.

Os locais foram avaliados e resultaram em alertas após relatório feito pelo Sindicato de Engenharia e Arquitetura (Sinaenco), em 2009. À época, a entidade alertou que nove dos 11 viadutos e pontes do DF careciam de manutenção, incluindo também a estrutura da Galeria dos Estados. Quase dez anos depois, constata-se que pouco foi feito.

O descaso fica evidente quando se compara as condições de estruturas recentemente construídas ou reparadas. A Ponte JK, por exemplo, não apresenta qualquer problema aparente, bem como o viaduto Ayrton Senna e o viaduto da plataforma superior da Rodoviária de Brasília. Mesmo na parte colada ao Conic, menos conservada, a quantidade de imperfeições é muito menor em comparação com as edificações mais velhas.

Leave a Comment

Abrir bate-papo
Precisa de ajuda?
Olá, 👋
em que podemos te ajudar?