O quinto dia útil do mês – Artigo Correio Braziliense

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Rafael Mota
Advogado e assessor jurídico do Sinduscon-DF

Artigo publicado no Correio Braziliense de 26 de junho

Muitas famílias acordam aliviadas no quinto dia útil do mês. A legislação diz que o pagamento do salário mensal deve ser efetuado, o mais tardar, até o quinto dia útil do mês subsequente ao vencido. Porém, outras classes não contaram com a mesma sorte. Dentre elas, sofrem os que firmaram contratos ou venderam produtos ou serviços ao Estado e não recebem na data pré-estabelecida.

Não são raros os escândalos com superfaturamento e corrupção atrelados a contratos públicos e que tanto geram revolta na população, mas o que não é verdadeiramente incomum é o calote do Poder Público nos pactos que celebra com empresas e que possui, consequentemente, forte impacto na expectativa de que viveremos em um país moderno e com serviços públicos dignos.

Apesar de a Lei de Licitações prever como e quando se operacionaliza o pagamento das dívidas públicas, na prática, observa-se a utilização de diversos subterfúgios para sua não efetivação, como por exemplo a costumeira demora injustificada na tomada de atos para a liquidação de despesa, visto que a legislação não estipulou prazo específico para o agente público.

Além do atraso de pagamentos, que por si só causa desconforto, insegurança, enfim, prejuízo aos particulares envolvidos nos contratos, diversos são os casos em que o Poder Público simplesmente não realiza o pagamento, possivelmente pela utilização das verbas para destinação diversa, apesar da existência de empenho prévio, que tem o propósito de vincular o destino da verba, conforme determina a legislação.

Há a crença de que as situações de não pagamento ou demora injustificada poderiam ser equalizadas com o ajuizamento de ação contra o Poder Público. Entretanto, não é bem assim.

O árduo, oneroso e demorado provimento judicial capaz de determinar o adimplemento de um contrato pelo Poder Público sequer constitui o maior problema. Uma ação nesse sentido desagua no instituto dos precatórios, previsto na Constituição Federal (art. 100), que permite que o Poder Público pague o que deve geralmente somente após décadas de originadas as dívidas. Explicar esse fenômeno a um estrangeiro que queira investir no Brasil é tarefa embaraçosa.

Apesar de ser um dado público e de existir a Lei de Acesso à Informação, não há uma fonte clara e unificada para se saber o valor total e atualizados das dívidas do Estado brasileiro aguardando pagamento via precatório.

De acordo com o Conselho Nacional de Justiça, em 2014, o Poder Público devia R$ 97,3 bilhões em precatório, quantia essa que sabidamente só aumentou nos últimos anos, seja pela incidência de atualização monetária e juros de mora no ato do pagamento, seja pela contínua inadimplência nos contratos públicos.

No Distrito Federal, estima-se que os precatórios representem mais de R$ 3,8 bilhões de reais, em cifras atualizadas, um passivo dificilmente superável e uma dura realidade.

A própria expedição de precatórios e requisições de pequeno valor (irmã menor do precatório, limitada a sessenta salários mínimos na esfera Federal) se torna mais um fator a ser considerado nessa novela, visto que ocupam, respectivamente, a quinta e a primeira posições nas classes processuais mais demandadas nos Tribunais Regionais Federais, consumindo recursos materiais e humanos dos órgãos públicos.

O não recebimento de valores devidos com pontualidade é incompatível com a ideia de progresso e causa estragos na economia de um país. Pode-se dizer que é um fato gerador de corrupção, quando menos, diretamente proporcional à essa, ou seja, quanto maior a dificuldade em receber em dia, maior a chance de se ter um corruptor. Deve-se, assim, envidar esforços para adimplir as obrigações no prazo fixado como uma das razões de combate à corrupção. Afinal, todos querem acordar mais aliviados.

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