Saulo Araújo
Suzano Almeida
Ian Ferraz
Portal Metrópoles
Considerado o tema mais importante deste segundo semestre pelo GDF, a proposta de criação da Lei de Uso e Ocupação do Solo (Luos) chegará à Câmara Legislativa no fim de outubro. A casa só deve votar a matéria em 2018, mas o projeto já está na pauta de discussões dos brasilienses, uma vez que afetará o cotidiano de toda a população.
O texto, que atualiza normas de planejamento e controle urbanístico, altera temas como permissões para implantar comércios em residências e exigência de números específicos de vagas para carros em novas construções. Na terça-feira (10/10), a proposta foi aprovada, por unanimidade, pelo Conselho de Planejamento Territorial e Urbano do Distrito Federal (Conplan). Com isso, o Executivo transpôs a etapa que faltava para enviar o projeto de lei aos parlamentares.
O tamanho das garagens é um dos pontos que mais suscita questionamentos. A Luos estabelece que empreendimentos tenham quantidades mínima e máxima de vagas de estacionamentos. O número varia de acordo com o porte dos edifícios. Fatores como condições de acessibilidade e características da região administrativa em relação ao uso do transporte público por parte dos seus moradores também serão levados em conta.
Uso misto: residência e comércio
A proposta esclarece ainda quais as localidades dentro de cada cidade poderão ser usadas concomitantemente para comércio e residência. No mapa da Luos, disponível no site da Secretaria de Gestão do Território e Habitação, há todas as divisões.
Nas regiões elencadas com o código RO1, será permitido que moradores exerçam em suas residências atividades autônomas, desde que tenham anuência da vizinhança. Fica vedada a veiculação de propaganda na fachada das casas. Já nos lugares marcados com RO2, é possível, por exemplo, que o microempresário administre uma loja comercial num pavimento e resida em outro.
As únicas cidades regidas pela Luos onde não serão permitidas, de forma alguma, o compartilhamento de comércio e residência no mesmo terreno são Lago Sul, Lago Norte e Park Way. Essa possibilidade chegou a ser debatida, mas a decisão do governo de mantê-las fora dos dois indicadores ocorreu após pressão de grupos de moradores dessas três localidades.
Ainda assim, o veto ainda é alvo de polêmica. “O Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) protesta contra essa posição dos moradores. Em quase todos os lugares do DF já funcionam atividades que muitos proprietários de imóveis e inquilinos não querem. Ou são hipócritas ou cegos. É um grupo que tenta manter os privilégios às custas dos outros”, critica Célio Melis Júnior, presidente do IAB-DF e habitante do Lago Norte.
“Fachadas ativas”
Outra sugestão descrita na Luos pode ter impacto principalmente em Águas Claras, com a obrigatoriedade das chamadas “fachadas ativas”. Elas evitariam esquinas com pontos cegos para pedestres. A ideia é estimular a construção de portas e janelas, evitando a construção de grandes muros fechados.
“Quando você permite um melhor controle social do espaço, amplia a sensação de segurança, pois não teremos metros e mais metros de garagens muradas, como ocorre em cidades como Águas Claras e em localidades com grandes condomínios verticais”, disse o secretário de Gestão do Território e Habitação, Thiago de Andrade.
Visão semelhante tem Célio Melis Junior. “É um dos pontos mais importantes e serve para evitar situações recorrentes hoje, de várias ruas fechadas. As pessoas não se sentem atraídas de andar ao lado de muros”, aponta o presidente do IAB-DF.
Taxas
O GDF ainda pretende modificar as cobranças da Outorga Onerosa de Alteração de Uso (Onalt) e da Outorga Onerosa do Direito de Construir (Odir). A primeira é a taxa cobrada quando um terreno destinado a uma escola, por exemplo, recebe permissão para dar início a outra atividade, como um posto de gasolina, o que valoriza essa área. Já a segunda se refere ao valor exigido quando o dono recebe permissão para ampliar sua obra ou seu empreendimento.
A Luos propõe uma nova tabela para as outorgas, na qual as taxas de construção cobradas terão pesos diferenciados de acordo com a localização do imóvel. “A intenção é promover justiça social. Um empreendimento em área mais carente pagará menos. Hoje, o tributo é o mesmo para todos, independentemente do local”, ressaltou o secretário Thiago de Andrade.
Resistência
Apesar da pressa do governador Rodrigo Rollemberg (PDB) em transformar o projeto em lei, os deputados distritais alegam que precisarão de tempo para analisar a proposta. O presidente da casa, Joe Valle (PDT), afirmou que não vai acatar um possível pedido de urgência na apreciação da matéria. "A casa precisa participar do processo com a sociedade. Não podemos aprovar nada a toque de caixa. As emendas são necessárias para que erros sejam corrigidos", afirma Joe Valle.
A deputada Telma Rufino (Pros) – que integra a base governista – diz que a Luos será objeto de discussões na Comissão de Assuntos Fundiários (CAF), presidida por ela. A parlamentar ainda não definiu um cronograma para o envio da matéria ao plenário da casa, mas acredita que não será aprovada em 2017, como quer o Executivo.
“Vou sentar com minha equipe de técnicos e com os demais membros da CAF para definir o calendário de debates. Não podemos deixar que a Luos – que é um instrumento para ajudar a cidade – se torne prejudicial. Por mim, o projeto só sai da CAF para as outras comissões em março de 2018”, afirma Telma.
Elogios e críticas
O vice-presidente da Indústria Imobiliária do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Distrito Federal (Sinduscon-DF), João Accioly, acredita que a Luos trará mais segurança jurídica aos investidores. Mas alerta que, após aprovada, será necessário uma fiscalização rigorosa do governo para que a lei não fique apenas no papel.
“Em linhas gerais, a Luos traz regras mais objetivas e confere mais segurança jurídica aos investimentos, mas não adiantará termos uma lei que não pega. Será preciso empenho para fazê-la funcionar”, ponderou Accioly.
Nem todos os especialistas acreditam que a Luos será benéfica ao DF. Para o professor de arquitetura da Universidade de Brasília (UnB) Frederico Flósculo, por exemplo, o projeto não passa de uma continuação das políticas urbanas dos ex-governadores José Roberto Arruda (PR) e Agnelo Queiroz (PT). “A Luos é totalmente baseada em negociações políticas que vêm se arrastando desde o governo Arruda. Estão autorizando e desburocratizando a especulação imobiliária. Ela ficará cada vez mais sem controle”, acredita.
Abrangência
O conjunto das normas de planejamento e controle urbanístico servirá para unificar a legislação sobre a ocupação de grandes áreas urbanas em 24 regiões administrativas do DF, onde estão distribuídos cerca de 365 mil lotes registrados em cartório.
Só estão fora do projeto os lugares incluídos na área tombada, como Plano Piloto, Sudoeste, Cruzeiro e Candangolândia. Essas cidades terão uma lei própria, o Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUb), ainda sem prazo de conclusão.
O governo acredita que a nova ferramenta vai acabar com a fragmentação de várias leis que tratavam do uso e da ocupação do solo. Caso aprovada na Câmara Legislativa, cerca de 400 normativos legais específicos serão extintos, e a Luos passará a ser o único instrumento oficial de consulta.
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