Mirelle Pinheiro e Letícia Carvalho
Portal Metrópoles
Dois candangos e uma cidade paralisada pela burocracia – Parte 2
As recorrentes denúncias de empresários e representantes do setor produtivo sobre a demora na análise e liberação de propostas pela Central de Aprovação de Projetos do GDF motivou o presidente do Tribunal de Contas local, Renato Rainha, a abrir uma inspeção na CAP
No centro da capital da República, cenas de guerra chocaram o país no início deste mês de junho. Durante a desocupação do hotel Torre Palace crianças foram usadas como escudo, houve tiros, bombas e enfrentamento entre invasores e policiais. Uma ação que custou, pelo menos, R$ 4 milhões aos cofres públicos e expôs a vida de militares e civis envolvidos na operação.
O enredo que tangenciou uma tragédia ambientada no Torre Palace apresenta um capítulo reservado à burocracia. Nada do que foi visto recentemente teria ocorrido se o empreendimento no centro da cidade tivesse passado por um processo de revitalização. Mas o Torre Palace, soma-se às 2.724 propostas que aguardam autorização da Central de Aprovação de Projetos (CAP) do GDF para o começo das obras.
O Metrópoles iniciou nesta terça (21/6) uma série de três reportagens revelando o desgaste do setor produtivo e o preço que a população paga pela morosidade do GDF em estudar os projetos arquitetônicos submetidos ao crivo oficial. Com exceção das casas, todos os outros empreendimentos têm de passar pela análise do governo. Na série Dois candangos e uma cidade paralisada pela burocracia, o portal mostrou que na capital da República menos de dois projetos são aprovados, em média, por dia. Número muito inferior ao de outras importantes capitais, como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.
No Distrito Federal, o próprio governo admite que se leva, no mínimo, oito meses para a liberação de uma planta na Central de Aprovação de Projetos (CAP). Mas empresários denunciam que esse tempo tem sido até três vezes maior, chegando a dois anos de espera.
É o caso do Torre Palace, cuja proposta de reforma repousa nas mesas da CAP desde 2013. Somente agora, em maio deste ano, quando o prédio já estava invadido, houve o último andamento no processo. A Central recebeu, em 20 de maio, um novo projeto com as exigências impostas pelo órgão. Agora, o governo tem mais 30 dias, em tese, para proceder à análise e, quem sabe, dar um desfecho para o prédio que virou um símbolo do descaso bem no coração da capital federal.
O ritmo arrastado da CAP é tão evidente que entrou na mira dos órgãos de controle. Sem ter mais a quem recorrer, empresários e representantes de empreendimentos na cidade passaram a procurar o Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) para denunciar os sucessivos e inexplicáveis atrasos na análise e na aprovação das propostas pela Central.
Resultado disso é que o presidente do TCDF, Renato Rainha, decidiu abrir uma inspeção para apurar a demora na aprovação dos projetos que tramitam na CAP. Promete ele mesmo fazer uma batida na Central para entender o porquê de tantas travas. “Tenho recebido, constantemente, queixas de empresários que querem construir um negócio e esperam há mais de um ano por isso. É vergonhoso”, apontou Rainha.
O conselheiro chamou a atenção para o fato de que o DF tem, proporcionalmente, o maior índice de desemprego do país. Ou seja, não poderia se dar ao luxo de perder um posto de trabalho, ainda que na iniciativa privada, para a burocracia estatal.
Migrar é a solução
Desesperançosos, muitos empresários do setor imobiliário têm migrado para outros estados em busca de condições mais favoráveis. “Quantos empreendedores conhecemos que foram para Goiás abrir negócio por conta da burocracia aqui? Se existem pessoas ainda com a coragem de investir no DF para gerar desenvolvimento econômico, nós temos que auxiliá-los”, defendeu Rainha.
O fundador do Grupo Cygnus, Alexandre Matias, é um dos empreendedores que têm planos de expandir sua empresa para outra região do país. Decisão que, à primeira vista, pode parecer resultado de um crescimento econômico, na verdade, reflete a sua insatisfação com a CAP.
Não só os órgãos de controle, mas também os sindicatos e federações que falam em nome dos empresários e profissionais ligados à construção civil se transformaram em ouvidorias das constantes reclamações sobre a Central de Aprovação de Projetos do GDF.
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A CAP, portanto, surgiu com o objetivo de dificultar os atos ilícitos. Após inúmeros casos de corrupção envolvendo servidores públicos e grandes empresários, o GDF encontrou na centralização um meio para pôr fim a essas práticas. Ponto positivo para a Central. Mas o que está difícil de o GDF conciliar é a correição com a eficiência.
Em nota, a Região Administrativa do Lago Norte confirmou que a denúncia de suposta irregularidade está em apuração, por meio de uma sindicância. “A atual gestão desenvolveu um sistema informatizado próprio de controle interno, que garante transparência e a segurança das informações, para acompanhar e auditar em tempo real todas as etapas dos processos”, disse o órgão por meio de nota.
A Polícia Civil orienta os empresários a denunciar os casos de extorsão à delegacia. “Já prendemos um despachante que cobrava propina em frente à Terracap. Ele não tinha qualquer relação com o órgão, mas dizia que era servidor para dar credibilidade. Recebeu R$ 600 em um acordo. A fiança estabelecida pelo juiz foi de R$ 50 mil”, lembrou Linhares.
O poder público se tornou complacente porque foi dado o habite-se mesmo com as diferenças entre a construção e o projeto. Infelizmente, alguns integrantes do poder judiciário ainda não perceberam a gravidade de se manter uma obra dessas aberta, já que coloca em risco a segurança da população. O MPDFT atuou desde o primeiro momento, mas as orientações foram descumpridas por influência política”, denunciou Fabiano Mendes, promotor da Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público Social (Prodep).