Artigo – Serão eles os vilões?

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João Carlos Pimenta
Presidente do Clube de Engenharia de Brasília
1º Vice-presidente do Sinduscon-DF

O agravamento das diversas crises que vêm atormentando a vida dos brasileiros tem trazido à baila as irregularidades cometidas quando da contratação de obras públicas e serviços de engenharia. Torna-se voz corrente que uma das causas de tais aberrações seria a apresentação nos editais de licitação, por parte dos órgãos contratantes, apenas do projeto básico, ficando a elaboração do executivo por conta da empresa contratada. Nesse caminho, seriam praticadas as maracutaias que viriam desaguar em superfaturamento, com alterações desonestas, jogo de planilhas e demais atitudes indesejáveis. Daí, aparece como solução corretiva, a condição simplificadora de que todos os processos deverão contar com os projetos executivos.

A Lei 8.666, publicada em 21 de junho de 1993, criada com o propósito de regulamentar as licitações e contratos administrativos, vem sofrendo críticas diversas e a possibilidade de se licitar com base no projeto básico passou ser uma das mais visadas, como possível causa dos problemas recorrentes. Admite-se que ao determinar em lei a obrigatoriedade do projeto executivo como parte integrante do edital, esse equívoco seria evitado. Na verdade, o assunto apresenta nuances diversas, e esse particular não merece ser generalizado. Isso porque existem tipos de obras de engenharia, principalmente aquelas que envolvem investigações de geotecnia, em que o projeto executivo torna-se função de desenvolvimento que deve seguir “pari passo” a execução gradativa do trabalho. Impossível contar com ele no início das atividades. Por outro lado, a construção de um edifício sofisticado, como exemplo inverso, é um tipo de contratação em que torna-se essencial o fornecimento do detalhamento final executivo de todas as etapas, pois o contratado poderia, ao elaborar o projeto executivo, proceder a alterações com o objetivo de economizar, comprometendo a qualidade do produto final.

O art. 6º – IX da citada lei 8.666/93 define com precisão o projeto Básico, que deve conter os elementos necessários e suficientes para a perfeita caracterização da obra ou serviço, o desenvolvimento da solução escolhida, as soluções técnicas globais e localizadas, a identificação dos tipos de serviços a executar e de materiais e equipamentos a incorporar à obra, as informações que possibilitem o estudo e a dedução de métodos construtivos, os subsídios para montagem do plano de licitação e gestão da obra. É exigido ainda o orçamento detalhado do custo global da obra, fundamentado em quantidades de serviços e fornecimentos propriamente avaliados. No item X seguinte, é definido o projeto executivo como “o conjunto dos elementos necessários e suficientes à execução completa da obra, de acordo com as normas pertinentes da ABNT”. Como se vê, os dois níveis de projetos são complementares, sendo o básico responsável pela definição precisa daquilo que se quer empreender, restando ao executivo — como diz o nome — o detalhamento para possibilitar a execução do objeto. Na prática, não é difícil de se constatar que em grande parte dos processos, o que vai na pasta rotulado como projeto básico deixa de cumprir os mínimos requisitos legais preconizados, ficando as deficiências e os vazios a serem sanados e preenchidas pelo contratado na elaboração do projeto executivo como encargo contratual. Aí sim, sem nenhuma presunção de suspeição a priori, virão aditivos reparadores.

Temos assistido às justificativas de responsáveis por órgãos financiadores alegando que grande parte dos pleitos de prefeituras e estados para contratos de empréstimos são recusados devido a deficiências nos projetos encaminhados. Já houve caso em que o projeto básico disponibilizado não passava de uma marcação em caneta hidrocor no mapa do bairro, locando o futuro viaduto para o qual seriam os recursos alocados. Óbvio que o projeto executivo deveria suprir as omissões, que viriam perfazer quase tudo, dando margem a manipulações, se premeditadas. Ainda sobre a lei de licitações, ela permite aditivos de até 25 % de acréscimos ou de supressões, passando esse percentual para 50% no caso de reforma de edificações ou de equipamentos. O Tribunal de Contas da União (TCU), visando coibir abusos, através de acórdãos passou a vetar compensações, considerando os limites individualizados tanto para os acréscimos quanto para as supressões de forma independente. Do contrário, uma quadra de esportes poderia se tornar uma piscina olímpica, ou vice- versa. O Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea), em sua Resolução 361/1991, admite que o projeto básico deve “definir as quantidades e os custos de serviços e fornecimentos com precisão de mais ou menos 15% (quinze por cento)”.

Como se vê, não há necessidade de modificar a legislação vigente, mas simplesmente cumpri-la, apresentando o projeto básico ou o executivo, dependendo do caso em pauta, porém dotando-os sempre dos requisitos preconizados pela ampla documentação em vigor, o que dará aos mesmos a qualidade indispensável ao bom andamento da licitação, da contratação e da execução. Se elaborados com correção, os projetos nunca serão motivos para irregularidades e desmandos. Nunca serão, por si só, os vilões dos processos licitatórios. De bons projetos advirão sob todos os aspectos, com certeza, boas obras.

*Artigo publicado na edição do jornal Correio Braziliense do dia 13 de julho.

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