Artigo – O setor imobiliário e os distratos: quem perde, quem ganha

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Renato Ventura
Vice-presidente executivo da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias

O setor da incorporação imobiliária é fundamental para o país. Ele emprega e produz as moradias de que precisamos e sua função social se soma de forma clara à sua importância econômica. A cadeia da incorporação imobiliária, que contribui com 3,84% do PIB e cerca de 2 milhões de empregos (RC Consultores), precisa de condições de produção adequadas. Depois de um crescimento expressivo, a produção imobiliária estancou. Como se sabe, o setor é cíclico. Mas estamos vivendo um ciclo especialmente duro, com uma crise profunda e extensa. Os investimentos se retraíram e o setor não contribui como poderia para a retomada da economia e do emprego.

Há o enorme impacto do contexto econômico, com desemprego, inflação e juros altos. Mas há fatores estruturais que amplificam muito o problema e que devem ser entendidos e solucionados se quisermos mais investimentos, mais produtividade e ciclos mais adequados. O distrato tem especial destaque entre esses fatores e é importante entendermos este problema para seu necessário equacionamento.

A incorporação imobiliária se dá de forma bastante pulverizada e competitiva. Sem barreiras de entrada relevantes, é muito grande o número de empresas no setor. Isso garante uma estrutura de oferta bastante favorável ao comprador — com a concorrência, os preços são condizentes com o custos dos insumos (terrenos, materiais, mão de obra) e deveriam refletir os riscos da atividade. Assim, não há folgas para insegurança jurídica, sendo os distratos o exemplo mais relevante deste problema que impacta o setor.

Explico. O setor cresceu com um modelo de vendas que se baseia nas Promessas de Compra e Venda, compromissos irrevogáveis e irretratáveis para comprador e incorporador. Garantida por estes instrumentos, a incorporação é levada adiante, e as edificações são construídas e entregues a seus adquirentes. Durante o cenário de crescimento econômico, os contratos foram respeitados e todos ganharam. Mas o contexto econômico mudou. O desemprego, a crise, as condições mais duras dos bancos e a grande oferta em alguns segmentos contribuíram para uma nova dinâmica nos preços. Os valores pararam de subir como antes e compradores — com e sem condições de honrar seus compromissos — passaram a rever a decisão de compra tomada.

Mesmo com a irrevogabilidade e irretratabilidade, muitos foram à Justiça pela devolução dos valores pagos. Mas os recursos estavam destinados às obras, e foram aplicados na forma de tijolos, aço, cimento etc. Com isso, o planejamento e os fluxos de caixa dos empreendimentos são duramente comprometidos. Assim, o incorporador passou a enfrentar uma condição não prevista em seus contratos. O problema mais imediato a ser resolvido é o equacionamento do fluxo de caixa para concluir os empreendimentos em curso. E este problema pode impactar os próprios compradores que honraram seus compromissos e contam com o modelo funcionando para recebê-los nos prazos esperados.

Em seguida, o incorporador precisa atualizar os estudos de viabilidade para seus novos empreendimentos, incluindo a insegurança jurídica. Nesse ponto, os números das companhias abertas indicam que boa parte dos investimentos na incorporação imobiliária tem trazido retornos inferiores ao CDI, inadequados frente aos riscos do negócio. Assim, quando se compara um investimento em uma atividade complexa e imprevisível, a conta novamente não fecha. Dessa forma, com a insegurança e os custos observados, os novos lançamentos acabam sendo inviabilizados. O mercado se ajusta, e isso se dá via menos investimentos, menos produção e menos empregos, impactando quem precisa de moradia e de empregos. E não é só isso: a demanda continua presente — as pessoas continuam a se casar, se separar, mudar de empregos etc.— e a diminuição na produção imobiliária sinaliza desequilíbrio que provocará o aumento de preços no futuro.

Assim, perdem o setor da incorporação, o conjunto dos compradores, os investimentos, a produção imobiliária e os empregos no país e só ganham aqueles que se alimentam do conflito e da judicialização. Diante desse quadro, é absolutamente necessária e urgente uma solução para a questão dos distratos. Os compromissos assumidos devem ser honrados, com condições justas para as empresas e os compradores. O equilíbrio deve ser restaurado em benefício do conjunto de compradores e da sociedade em geral. Precisamos avançar com urgência em uma definição adequada, que traga equilíbrio e permita a volta de um crescimento sustentável do setor, em linha com as necessidades da sociedade e do país.

Artigo Publicado em 25/01/2017, no Correio Braziliense

 

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