Estadão
Por Rafael Mota*
Atualmente, a contratação de obras e serviços de engenharia pelo setor público é feita, em muitos casos, por meio da modalidade de pregão. Essa modalidade de licitação, instituída pela Lei Federal n.º 10.520/02, tem como objetivo a aquisição de bens e serviços comuns “cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado”.
Para adquirir um bem é possível observar quesitos práticos de avaliação, antes da celebração do contrato: durabilidade, dimensões, material de fabricação, marca. No caso de eletrônicos pode-se observar a geração dos processadores, tamanho da memória, etc.
Para serviços comuns, é possível avaliar com base nos serviços realizados anteriormente. Nesses casos, a escolha pelo menor orçamento é acertada com frequência.
No entanto, utilizar o pregão para serviços de engenharia é ignorar o fato de as atividades do setor não se enquadrarem na simples aquisição de bens e serviços comuns, já que são regulamentadas por diferentes legislações do campo da engenharia.
Explico, as obras e serviços de engenharia possuem claros conceitos legais, especificações e padrões de desempenho e qualidade, com parâmetros padronizados. São atividades altamente especializadas, que demandam grande atenção e responsabilidade técnica.
São raras as hipóteses em que tais atividades podem ser classificadas legalmente como bens e serviços comuns, apenas nos casos em que a atuação do profissional de engenharia não é de tanta relevância, e o serviço acaba por ser obtido sem dificuldades no mercado.
A licitação por meio do pregão eletrônico acaba por não ser mais viável. Mesmo indo de encontro ao Decreto 3.555/2000, onde se especifica que pregão não se aplica às contratações no campo da engenharia, órgão públicos insistem nessa modalidade de licitação.
A agilidade proporcionada por esse tipo de processo continua a fazer com que algumas licitações sejam nessa modalidade. É o caso da recente licitação do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Estado de São Paulo (Crea-SP), que abriu edital por pregão para seu projeto de adaptação de ambientes às normas técnicas de acessibilidade.
A decisão da instituição contrariou a posição da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) e do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea) e do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU).
Utilizar o pregão indiscriminadamente pode acarretar em diversos efeitos negativos. A alta concorrência gerada pela prática, faz com que empresas baixem os valores cobrados, muitas vezes, sem calcularem com a devida atenção se o valor é suficiente para execução da obra. O que pode levar tanto a casos de obras abandonadas, como a casos de celebração de termos aditivos, fazendo com que a obra acabe por ser mais cara do que outras propostas apresentadas no processo de contratação.
Outros casos são os em que a empresa deixa de cumprir os padrões de qualidade exigidos pela Administração, salários de empregados, seguros e gastos com segurança de trabalho. Esse tipo de irresponsabilidade apenas leva a um aumento ainda maior no orçamento, pela necessidade de pagar indenizações por acidentes de trabalho, necessidade de novas contratações para reparos parciais ou totais, e indenizações trabalhistas.
Uma alternativa ao pregão é a modalidade de concorrência. O processo de concorrência exige que as empresas apresentem um planejamento para o órgão contratante, o que possibilita uma avaliação mais clara de todo o projeto e cronograma. Com isso a escolha da empresa não ocorre apenas pelo preço, mas também pela viabilidade de execução.
O serviço de engenharia é um trabalho técnico com prazos fixos de entrega, que só têm início após o contrato entrar em vigor. Avaliar desempenho de qualidade, em muitos casos, só é viável após ter o serviço pronto e a obra realizada, sem poder ser exigida antes da contratação.
Visar apenas a proposta mais barata, dificilmente é o mais vantajoso para casos que envolvam obras de engenharia. Deve-se pensar em uma alternativa para que essas licitações atendam tanto a demanda de agilidade como a qualidade do serviço, sem prejuízos ao erário.
*Rafael Mota é sócio do escritório Mota Kalume Advogados. Mestre em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), é conselheiro do Conselho Jurídico da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), assessor jurídico do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Distrito Federal (Sinduscon-DF) e assessor da Associação Brasiliense de Construtores (Asbraco-DF)