Flávia Maia
Correio Braziliense
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Foram pelo menos 16 anos de baixos investimentos em infraestrutura, captação e abastecimento de água. A consequência atingiu diversos setores produtivos, entre eles, a indústria. Praticamente metade das 5.530 fábricas instaladas na capital utilizam a água na produção. Dessas, 42,4% alegam que tiveram a produção prejudicada nas mais diversas escalas, a depender da necessidade do insumo em suas respectivas atividades. A expectativa é que a margem de lucro tenha caído em até 5%. Os dados fazem parte da Pesquisa Impacto do Racionamento de Água no Setor Industrial no Distrito Federal, desenvolvida pela Federação das Indústrias do DF (Fibra), em parceria com o Núcleo de Estudos e Pesquisas do Instituto Euvaldo Lodi (IEL-DF), e obtida com exclusividade pelo Correio.
O estudo levou em conta a experiência dos empresários industriais no primeiro ano de interrupções no serviço de água (2017). Cerca de 15,3% alegam perdas financeiras por causa do rodízio. “É um prejuízo a mais em uma indústria que vem de anos difíceis”, analisa Jamal Bittar, presidente da Fibra. Ele explica que o impacto só não foi mais significativo por causa do desaquecimento da atividade industrial no DF. “A nossa preocupação é com este ano, em que se observa a melhora na economia e o crescimento na produção”, alerta.
Informações da Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico (Adasa) mostram que, das mais de 5 mil plantas industriais do DF, 360 têm sistemas próprios de água – 347 contam com poços artesianos e 13 captam diretamente do rio. As demais recorrem à Companhia de Saneamento Ambiental do DF (Caesb). A agência reforça que a liberação para captações e poços depende da disponibilidade hídrica. “Regiões como as abastecidas pelo Descoberto estão com restrições de 75%; por isso, a Adasa não pode liberar”, comenta Rafael Mello, superintendente de recursos hídricos da Adasa.
A falta de planejamento também impactou o setor: quase 70% das indústrias não têm fontes alternativas, como o reúso. Outro dado que evidencia a dependência da água da Caesb é que apenas 6,8% fazem algum tipo de captação. A explicação da Fibra é de que a capacidade de investimento da indústria está baixa. “Nesse momento de crise econômica, a indústria não consegue. Obra de captação exige uma engenharia custosa”, analisa Jamal. Por isso, o impacto na produção. Várias regiões industriais, como SIA e Taguatinga Sul, não podem ter poços artesianos.
Perguntado se o incremento na produção de água beneficiará a indústria, o presidente da Caesb, Maurício Luduvice, destaca as soluções apresentadas pelo Executivo local. “O GDF está trabalhando para superar a crise hídrica e vamos superá-la. É questão de tempo. Atacamos os dois pilares: fizemos investimentos na produção de água e na redução das perdas. Os resultados estão sendo vistos com a recuperação dos reservatórios. Queremos superar crise hídrica o quanto antes e beneficiar a comunidade”, afirmou.
Os segmentos de alimentos e bebidas são os que mais demandam entre os modelos fabris brasilienses. Em seguida, vem a construção civil. O que preocupa o setor é que não há previsão para o fim do racionamento. De 2014 a 2017, o uso de água na indústria reduz drasticamente – passou de 40,9 mil litros anuais por unidade para 26,4 mil litros. O que evidencia o desaquecimento do setor e os prejuízos da falta do insumo.
Com um dia da semana sem água, o dono de uma marmoraria no SIA, Carlos Roberto Oliveira Mourão, se adaptou: dobrou o armazenamento, recorre a um caminhão-pipa a cada 15 dias e instituiu o reúso. “Uso o caminhão-pipa porque a água da máquina que corta o mármore não precisa ser potável. Além disso, reaproveito a água da chuva”, explica. Roberto Bontempo tem uma fábrica de móveis em Taguatinga Sul. Ele reduziu o consumo em 30% ao trocar a caixa d’água por outra menor. Além disso, colocou uma garrafa pet nas descargas dos oito banheiros da empresa. “Não senti a crise hídrica, e a minha produção não foi afetada. Comecei as medidas antes do racionamento”, comenta.
Desde 1999, a marmoraria de Redelvino Júnior tem sistema de reaproveitamento. O dispositivo capta água que cai do maquinário, encaminha para caixas de tratamento e conduz até o reservatório, de 10 mil litros. Segundo ele, o reaproveitamento chega a 90%. “As máquinas que cortam o mármore precisam utilizar água para resfriar o material e impedir que a poeira se alastre. Com isso, usamos cerca de 9 mil litros de água por hora”, diz. Com o início do racionamento, o empresário optou pela limpeza a seco, instalou uma caixa d’água para os funcionários e passou a lavar veículos mensalmente.
Mesmo com o reaproveitamento do recurso, a conta de água da empresa alcança R$ 3 mil. Redelvino ressalta que o reúso impediu prejuízos nos períodos sem água. “O nosso nível de produção está baixo por causa da crise econômica. Se o nível de produção estivesse alto igual antigamente, teríamos grandes problemas”, pondera.
Para Charles Dayler, professor de engenharia e arquitetura do Iesb, uma solução para a falta de água é investir no reúso. “O problema é o custo alto, e as residências e indústrias não estão preparadas para dois tipos de água – a tratada e a de reúso. A indústria não precisa de água tratada para várias atividades”, explica. Na opinião dele, linhas de crédito em bancos públicos, como o BRB, seriam uma opção para alavancar esse sistema. A Adasa também apoia o reúso.
Duas perguntas para Maurício Luduvice, presidente da Caesb
A indústria alega que o impacto do racionamento só não foi maior porque a produção em 2017 foi baixa. Entretanto, o setor está preocupado com 2018 por causa do reaquecimento da atividade. Como será o ano para a produção?
Estamos em uma situação hídrica melhor do que a do ano passado. Entretanto, ainda é cedo para assumir o fim do racionamento. Vamos aguardar o término da temporada de chuva.
Existe algum projeto específico para o grupo consumidor da indústria?
Não. A gente aplica o racionamento de uma forma geral, por sistema de abastecimento. Não dá para segregar. A gente reconhece a dificuldade da indústria, que é um cliente importante. O racionamento teve impacto na arrecadação da Caesb. A gente sabe da dificuldade, o momento é de fazer o esforço e superar.
Oferta de água
A crise hídrica instaurada no Distrito Federal vinha sido alertada por especialistas havia várias administrações. Entre 2000 e 2015, a única obra realizada foi a do Rio Pipiripau, em Planaltina, e custou R$ 15 milhões. Uma média de R$ 1 milhão por ano. Nos dois últimos anos, a média anual subiu para R$ 50 milhões em investimento. Com sistemas feitos às pressas, a oferta de água cresceu 16,5% em dois anos. Em 2016 e 2017, foram gastos cerca de R$ 100 milhões em novas captações, como a do Bananal e o flutuante do Lago Paranoá, além da reativação de captações, como a dos córregos Alagados e Crispim, no Gama. Se contar o investimento no Sistema Corumbá, a cifra chega a R$ 314 milhões.
*Colaborou Walder Galvão (estagiário sob supervisão de Guilherme Goulart)