Helena Mader
Ana Viriato
Correio Braziliense
Reajuste impacta diretamente o agronegócio, dependente de maquinário para plantio, colheita e transporte de produção
Manter uma plantação ao longo de extensos 700 hectares de terra exige maquinário variado, com equipamentos para o plantio, para a colheita e para o transporte da produção. Essa é a área em que Geovani Muller cultiva milho no Núcleo Rural Tabatinga, em Planaltina. Assim como todos os agricultores, ele depende do diesel para viabilizar as etapas do cultivo. O consumo chega a quase 30 litros por hectare plantado. A cada vez que os combustíveis são reajustados nas bombas, Geovani vê a margem encolher. Produtos como a soja e o milho têm preços regulados pelo mercado internacional; por isso, o setor não pode elevar os valores cobrados sob risco de perder competitividade. “Não tem jeito, a gente sempre tem de cortar da nossa margem de lucro, que fica cada vez menor”, lamenta Geovani.
O agronegócio é uma das áreas mais impactadas pelo preço dos combustíveis. A Federação de Agricultura do Distrito Federal fez as contas para saber quanto a alta mais recente custará ao setor. Segundo o levantamento, só na produção de soja, os gastos com diesel subirão de R$ 10 milhões para cerca de R$ 11,3 milhões ao ano — um crescimento de 11% nas despesas. Entre os produtores que cultivam milho, os gastos aumentarão quase R$ 2 milhões, só com o aumento causado pela revisão do PIS/Cofins, imposto pelo governo federal.
O coordenador técnico da Federação de Agricultura do DF, Havay Miranda Júnior, explica que os produtores têm dois tipos de despesas. “Há as da porteira para dentro, que são os investimentos necessários para fazer o negócio acontecer. E tem o da porteira para fora, que é, principalmente, o frete da produção, além do transporte de insumos e de funcionários. A nossa estimativa é de que o custo da produção de todos os itens agropecuários será fortemente impactado pelo aumento dos combustíveis”, comenta Havay.
Insumos
Na etapa de plantio, os produtores precisam levar os insumos, como sementes e adubo, até as propriedades. Lá dentro, há a movimentação constante de máquinas, como pulverizadores e colheitadeiras. Depois, é preciso transportar os produtos para a secagem e, posteriormente, para a comercialização. O Distrito Federal produz cerca de 250 mil toneladas de soja por ano. No caso do milho, são 370 mil toneladas de grãos produzidas anualmente no território. Só com esses dois produtos, os agricultores do DF gastarão mais R$ 3,3 milhões na safra de 2018, por causa da alta do diesel. Se houver novos reajustes até lá, produtores estimam que muitos negócios podem ficar inviabilizados.
Havay explica que os produtores são obrigados a absorver esses prejuízos, especialmente os que trabalham com commodities. “É preciso cortar na própria carne. O produtor reduz a margem de rentabilidade e, às vezes, chega a empatar os gastos e os lucros”, diz o coordenador técnico da Federação de Agricultura do DF. “Como o pessoal se endivida para fazer o plantio, tem de seguir em frente e cortar onde pode. Muitos acabam descapitalizados e precisam reduzir investimentos, como em adubo, por exemplo. Isso vai degenerando a cadeia como um todo. O governo federal penalizou muito o setor para arrecadar bilhões”, reclama Havay.
A penúria imposta pelo reajuste ao setor é verificada em todo o país, especialmente nos estados produtores. O Instituto para o Fortalecimento da Agropecuária de Goiás elaborou uma nota técnica estimando o impacto do aumento do combustível no setor. Os técnicos da entidade avaliaram as operações com máquinas agrícolas e os gastos com diesel por hora e por hectare, além da divisão por etapa do processo produtivo — pré-plantio, plantio, condução da lavoura e colheita.
Segundo a entidade, os gastos médios por hectare passaram de R$ 238,47 para R$ 255,88, um aumento de 7,3%. Os técnicos consideraram o preço anterior, de R$ 2,88, e o novo valor cobrado pelos postos, de R$ 3,09, conforme o aumento médio de R$ 0,21 por litro. “Os custos de produção aumentaram, levando em conta apenas os gastos com operação com máquinas. Com certeza, vários outros insumos serão impactados com o aumento, como os fertilizantes, os defensivos, alguns serviços terceirizados e fretes”, destaca a nota técnica.
Prejuízos também chegam à indústria
O efeito em cadeia da alta dos combustíveis no Distrito Federal causará, a curto prazo, a queda de vendas e, a longo, uma baixa na geração de empregos, apontam empresários e representantes do segmento industrial. Segundo as previsões, por estar com a corda no pescoço, o consumidor não conseguirá absorver o aumento dos preços de produtos não essenciais e deixará de levar para casa uma grande quantidade de itens. Por sua vez, o empresariado — que fornece essas peças ao setor varejista, de atacado ou serviços — verá a margem de lucro diminuir e terá de cortar gastos.
O presidente da Federação das Indústrias do Distrito Federal (Fibra), Jamal Jorge Bittar, afirma que o impacto a curto prazo varia de acordo com o tipo de segmento, com o tamanho do empreendimento, e com a quantidade de etapas de produção que envolvem o uso de frete ou combustível. Ainda assim, garante que todos da cadeia industrial serão afetados. “Algumas empresas que utilizam o serviço de transporte de carga mantêm contratos com preços fixados e devem sentir a diferença mais à frente, por exemplo. Mas a grande maioria verá, logo, o preço visto nas bombas pesar no orçamento final. E isso, de alguma forma, será repassado ao consumidor final. Não tem como fugir”, aponta Jamal.
As empresas de construção civil estão no rol dos segmentos que sofrem o impacto da alta tributária imediatamente. O vice-presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon-DF), Fábio Caribé, diz que o prejuízo deve ser incorporado ao valor dos insumos ou das unidades comercializadas. “Aqui, 100% da matéria-prima utilizada no ramo chega de fora. Ou seja, qualquer elevação no preço do combustível afeta toda a cadeia de produção. Ainda é cedo para precificar isso, mas o empresário não pode absorver sozinho a elevação das despesas”, pontua.
Outro segmento altamente impactado é o de bebidas, devido ao domínio de grandes companhias. Empresário há 17 anos, Flávio Grillo, 36 anos, destaca que 20% do custo de produção é proveniente do uso de combustível e, com a alta, a despesa deve subir. Ele é proprietário da Cerradinho Refrigerantes e vende, por mês, cerca de 500 mil unidades de água, refrigerante e energético. “Todo o processo envolve o uso de combustível. Da compra de matéria-prima, que vem mais cara, como açúcar, rótulo e concentrados, à distribuição do produto final”, detalha.