Correio Braziliense
Num cenário em que a atividade da construção civil está abalada por acusações e investigações de superfaturamentos e desvios para pagamentos de propina, o setor traz para o Brasil a tecnologia Building Information Modeling (BIM), uma plataforma de gestão de empreendimentos que traz mais transparência às obras. A ferramenta é utilizada para planejar detalhadamente os projetos, além de facilitar o controle de prazo de entrega e execução da obra.
O governo federal deve criar nas próximas semanas um comitê interministerial para preparar a estratégia de implementação da tecnologia. O BIM deve se tornar uma realidade em quase todas as obras até 2030, segundo o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Mdic). O grande destaque é permitir a tomada de decisões com base nas informações presentes no sistema, como problemas de custos, desperdícios e eventuais práticas de desvios.
O diferencial é a possibilidade de melhor fiscalização dos gastos das obras. O setor garante que a tecnologia dificulta irregularidades, sobretudo em construções públicas. Adam Mattheuws, secretário do BIM TaskGroup da União Europeia, declarou que a tecnologia se torna inevitável para o segmento diante da melhora da produtividade.
“Essa modelagem de informação para a construção é uma das melhores coisas que já aconteceu para o Reino Unido. Não é só fazer uma versão digital, mas, sim, compartilhar dados e informações para tomarmos melhores decisões. Assim, não é só uma garantia de economizar dinheiro, mas melhora a infraestrutura para a população”, disse Mattheuws. O executivo afirmou que os custos devem se reduzir entre 15% a 20% até 2025 no Reino Unido. Na América do Sul, o Chile foi pioneiro no uso da ferramenta.
A tecnologia não é utilizada apenas para as grandes obras. Pequenas construtoras e incorporadoras também podem recorrer à plataforma. Igor Nogueira Calvet, secretário de Desenvolvimento e Competitividade Industrial do Mdic, destacou que a produtividade registra números baixos há anos. Em comparação, a Coreia do Sul cresceu 6,5% entre 2002 e 2012, ante alta de 0,5% no setor de construção do Brasil no mesmo período.
“O BIM está vinculado ao aumento da produtividade e vem num momento em que precisamos de muita rapidez para mudar o quadro atual. Dentro do governo é uma discussão ainda heterogênea, mas temos procurado atuar de forma coordenada”, disse Calvet.
Em dezembro de 2016, o ministro do Mdic, Marcos Pereira, assinou o acordo que prevê a difusão da tecnologia no Brasil. Atualmente, há cerca de 20 empresas no país que trabalham no desenvolvimento de softwares BIM, segundo o líder do projeto de disseminação desse modelo de gestão da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), Paulo Sanchez.
Novos tempos do crédito imobiliário
A atividade imobiliária é um negócio de longo prazo, afirmou Felipe Pontual, diretor executivo da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip). Para ele, são muitas as variáveis que determinam o sucesso ou o fracasso de um empreendimento. Entre elas, financiamento, venda das unidades e distratos, um dos maiores problemas do setor.
Pontual explicou que o crédito imobiliário em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) vem crescendo ao longo dos últimos anos, mas ainda é muito baixo se comparado a outros países. “Em 2014, o crédito imobiliário representava 9,7% do PIB, enquanto no Reino Unido chega a 83,7% e no Chile atinge 20%”, disse.
Para Pontual, a poupança e o FGTS chegaram ao seu limite, como fonte de financiamento para a casa própria, e os fundos complementares, LCI e CRI, têm contribuído pouco. Ele defendeu as Letras Imobiliárias Garantidas (LIG) como instrumento de captação de recursos e modernização de funding, desde que haja uma estabilidade macroeconômica.
O superintendente nacional da Caixa Econômica Federal, André Marinho, garantiu que o banco público vai executar todo o crédito imobiliário destinado à baixa renda. “Os cenários nos dão a segurança de que as condições básicas continuarão. O nosso principal funding, a poupança, está melhorando”, garantiu o gestor. Segundo a Caixa, a contratação de crédito deverá cumprir uma meta igual à de 2016, ou seja, cerca de R$ 80 bilhões. “Estamos prevendo um volume de aplicação de12% a 14% superior ao que foi destinado em 2014”, destacou.
Otimista, Marinho afirmou que há bastante espaço para crescimento do crédito imobiliário e que a Caixa está cumprindo o papel de banco de habitação social. “A Caixa está atuando para manter o crédito imobiliário e atender a possível demanda com a melhoria do quadro macroeconômico”, disse. Mas lembrou que há um grande vilão para combater, a inadimplência, que consome grande parte do capital.
Alexandre Assolini, representante da Comissão de Produtos Financeiros Imobiliários do Sindicato da Habitação (Secovi-SP), afirmou que a captação de recursos reage muito rápido às notícias negativas, mas o contrário também acontece. “Se voltarmos ao mínimo de estabilidade, as captações de recursos vão retornar”, garantiu o economista. E completou: “Um dos grandes objetivos é tentar que o país tenha estabilidade. Sem isso, o investidor estrangeiro não coloca dinheiro no Brasil. É muito difícil atrair um investidor estrangeiro sem garantias, sem estabilidade”.
Insegurança Jurídica
A insegurança jurídica no mercado imobiliário foi assunto debatido por Melhim Chalhub, jurista especialista em Direito Imobiliário, e pelo advogado, professor da Universidade de São Paulo (USP) e membro do Sindicato de Habitação de São Paulo (Secovi-SP), Olivar Vitale Júnior.
Melhim Chalhub destacou que a deturpação da alienação fiduciária, um instituto jurídico já consolidado, vem sendo questionada na Justiça estadual. “A alienação vem sendo alvo de discussões incompatíveis com o próprio fundamento desse tipo de garantia”, afirmou o jurista. E deu um exemplo: "A alienação é um contrato de garantia e, como todo contrato de garantia, é acessório. No caso específico, acessório do contrato de compra e venda de imóveis. Algumas decisões têm sido favoráveis às ações judiciais que pedem diretamente a rescisão de alienação fiduciária".
O distrato também foi apontado como motivo de grande insegurança jurídica no setor. Segundo o professor Olivar Vitale Júnior, tem sido usado como possibilidade de quebra unilateral de contrato, sem necessidade de justificativa. Ele destacou, inclusive, que o Judiciário trata da mesma forma clientes que adquiriram unidades para investimento ou para uso próprio. O distrato ocorre quando o cliente desiste da compra do imóvel e pede ressarcimento dos valores pagos à construtora. Isso só deveria ocorrer na hipótese de comprovada incapacidade financeira para pagamento. A regulamentação do distrato tem sido discutida entre o setor produtivo e o governo. O tema é considerado crucial para a retomada dos investimentos no mercado imobiliário.
Vitale Júnior apontou ainda que o Código de Defesa do Consumidor só deveria ser usado em questionamentos no mercado imobiliário referentes à data de entrega e à qualidade do imóvel, jamais para contrato de compra e venda, que tem lei própria sobre o assunto.
Concessões e PPPs
A crise fiscal na economia brasileira reduziu a capacidade de investimentos em infraestrutura com recursos públicos. O segmento da construção entende que uma saída para a recuperação econômica do país, com rápida resposta na geração de emprego e renda, além de reflexos nas economias locais, será a implementação de projetos em parceria com as empresas privadas nas modalidades de concessões e Parcerias Público-Privadas (PPPs).
O coordenador do grupo de Trabalho Concessões e Parcerias Público-Privadas da Caixa, André Araújo, disse que o mercado de PPPs no âmbito municipal cresce a cada dia. Segundo ele, até o fim de 2018, mais de 600 contratos terão potencial de serem assinados. A Caixa verificou que os governos já estão mudando a forma para contratos de longo prazo para concessões e PPPs. Já são, segundo o executivo da Caixa, 101 contratos assinados, o que corresponde a R$ 160 bilhões, além de 600 contratos de projetos em fase de desenvolvimento.
“A cada dia, recebemos mais pedidos. Hoje, 90% desses projetos estão sendo desenvolvidos no nível subnacional. Há um nicho de mercado que pode ser aproveitado pelo setor da construção nas áreas de saneamento, iluminação pública e resíduos sólidos”, explicou o representante da Caixa, acrescentando que o limitador das parcerias ainda é a insegurança jurídica.
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