Fatura das incertezas – Correio Braziliense

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Correio Braziliense

Com aumento de 31% no desemprego nos últimos três anos e retração na venda de materiais, construção civil sofre com falta de investimento e quadro conturbado para aprovação de reformas

Previsibilidade é tudo para a construção civil. Por isso, é vital um horizonte mais tranquilo para tocar investimentos de até 30 anos. Diante disso, os empresários se questionam se os sinais positivos emitidos até agora para a economia são sustentáveis.“Será que as indicações positivas vão se consolidar?”, questionou o economista Daniel Furletti, citando a queda da taxa de juros e da inflação, que tem projeção de ficar abaixo da meta de 4,5% neste ano.

Para a economista Ieda Vasconcelos, apesar das projeções positivas para o Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro trimestre, os resultados da construção ainda não serão tão bons assim. Ela listou alguns dados negativos, como a retração de 6,3% nas vendas de materiais, tombo de 14,4% nas unidades financiadas com recursos da caderneta de poupança e queda de 10,1% na venda de cimento de janeiro a abril de 2017, em relação ao mesmo período no ano anterior. “Temos números que refletem bem o cenário de recessão no setor. Em abril de 2014, a construção tinha 3,219 milhões de trabalhadores contratados, número que caiu para 2,221 milhões em abril deste ano”, apontou ela.

Furletti destacou que a boa notícia é que a confiança do empresário da construção está em ascenção. Variável importante para o retorno dos investimentos e retomada do crescimento. “Para acontecer o investimento é preciso confiança, principalmente de capital estrangeiro. Mas como um fundo de pensão internacional vai nos dar capital de longo prazo ao enxergar o Brasil neste cenário conturbado?", questionou.

A crise política voltou a comprometer, principalmente, as reformas estruturais, destacaram os economistas. Segundo eles, é imperativo que o Congresso Nacional aprove as reformas da Previdência e trabalhista. "A aprovação dessas reformas abre um ambiente positivo de aprovação de outras mudanças necessárias, como a administrativa e a tributária, que irão consolidar o ambiente propício aos negócios" disse Furletti.

“Os próximos dias vão sinalizar, diante do cenário incerto de maio, se o país entra num caminho de retrocesso ou as perspectivas de crescimento se concretizam”, acrescentou  Vasconcelos.

Risco X Retorno

Empresários da construção civil precisam abandonar formas empíricas e passar a mensurar os riscos dos empreendimentos a fim de conhecer as taxas de retorno e a viabilidade dos investimentos. A afirmação foi feita pelo administrador de empresas Leonardo de Paula Longo, que garantiu que algumas práticas do mercado financeiro podem ser aplicadas aos empreendimentos imobiliários. “No atual quadro econômico do país, é preciso planejamento e procurar o caminho mais adequado para cada empresa”, completou.

Mestre em crédito imobiliário pela Fundação Getulio Vargas (FGV), Longo destacou que, em tempos de grande incerteza, como agora, é necessário que as empresas procurem calcular o custo do dinheiro a ser investido, mensurando os riscos embutidos, para saber se o retorno compensa. “O retorno é o que se ganha em relação àquilo que se investiu”, afirmou. Para tanto, não se pode desprezar os riscos, em qualquer projeto, independentemente da época.

Segundo Longo, as empresas devem fazer avaliações e análises dos projetos em pauta. “Quando estamos falando de investimentos financeiros, o mercado é cruel. Não tem conversa. Se a percepção do risco aumenta, a taxa  de juros sempre será maior”, comentou.

Longo recomendou a adoção de técnicas que apontem o custo do capital no tempo do investimento, encontrando-se a taxa de risco e a taxa de retorno de cada projeto. “Sobretudo, não aconselho tomar decisões somente usando técnicas simplificadas como o payback (pagamento de volta), usado há tempos na construção civil, mas que não dá ao empresário o custo do capital e a taxa interna de retorno”.

Ele recomendou a diversificação de investimentos dentro do próprio setor de construção civil. E que as empresas aceitem a ajuda de fórmulas matemáticas que apontem se o projeto será ou não vantajoso. “Toda decisão empresarial vai ter algum tipo de risco e, mesmo assim, terá que ser tomada. Por isso, é preciso trazer receitas e despesas (capital) a valor presente, ajustar a uma taxa de risco e chegar à taxa de retorno que deve, pelo menos, manter o valor de mercado da empresa”, concluiu.

Reforma trabalhista traz segurança ao setor

As relações de trabalho estão mudando e, com isso, o setor de construção civil pede por atualizações na legislação trabalhista. Para os especialistas do segmento, a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) está ultrapassada e não contempla mais a realidade. Segundo eles, é preciso uma modernização para acompanhar as evoluções tecnológicas. O projeto da reforma trabalhista foi aprovado na Câmara dos Deputados e tramita no Senado Federal.

O presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), José Carlos Martins, declarou que a atualização das leis trabalhistas são essenciais para o setor de construção. “Tem mais de 70 anos, é da época do taquígrafo e da 2ª Guerra Mundial. Hoje, estamos na era da internet. As regras não podem ser as mesmas”, disse. Martins declarou que as modificações não são as que o setor sonhava, mas já são “um avanço”, na visão dele.

O juiz federal do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, Marlos Augusto Melek, foi um dos juristas que elaborou o texto da futura lei. Ele declarou que a aprovação deve devolver a “prosperidade ao país”. “Ao contrário do que muitos esperavam, a reforma trabalhista ultrapassa a questão de governo e foi elevada a uma questão de Estado. Ela traz liberdade, segurança jurídica e simplificação”, destacou.

Acordo coletivo

Renato Vicente Romano Filho, assessor jurídico do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (Sinduscon-SP) afirmou que a reforma trabalhista é ampla e traz uma mudança cultural. Para ele, as mudanças na lei vão reduzir os custos das empresas e reduzir a insegurança jurídica. “É preciso criar regras para impedir ações sem fundamento”, assinalou.

A especialista em Direito do Trabalho Empresarial Cely Sousa Soares declarou que as negociações coletivas têm grande importância e precisam ser reforçadas nas relações trabalhistas. A reforma dará prevalência do negociado sobre o legislado. Ou seja, os acordos entre os sindicatos e as empresas prevalecerá. “É preciso credibilidade dos negociadores, além de uma preparação prévia. O levantamento de informações dos setores envolvidos também é importante para o sucesso das negociações”, declarou.

Previdência perde R$ 6 bi com informalidade

A Previdência Social deixa de arrecadar R$ 515 milhões por mês com a informalidade no setor de construção civil, de acordo com um estudo realizado por Marina da Silva Borges Araújo e Rafael Augusto Tello Oliveira, ambos da NHK Sustentabilidade e professores da Fundação Dom Cabral. No ano, o prejuízo ultrapassa R$ 6 bilhões. Segundo os técnicos, a perda pode ser ainda maior, porque os cálculos foram feitos apenas sobre a contribuição devida pelo trabalhador, sem considerar a participação da empresa. De acordo com o estudo, o trabalho informal movimenta R$ 6,5 bilhões por mês em salários pagos na construção, enquanto o total pago em remuneração em contratos formais é de R$ 5,2 bilhões. Os técnicos ressaltaram, no entanto, que parte do trabalho informal está nas pequenas obras, como reformas de casa, contratadas diretamente pelo proprietário do imóvel com os profissionais.

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