Assessoria de Comunicação da Cbic
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Tenho ouvido o senhor se referir à revolta tributária como possível caminho para o quadro que vivemos no Brasil. Por favor, discorrer sobre como poderia dar-se essa revolta tributária no atual cenário do país.
Eduardo Giannetti – Existe um grande histórico de rebeliões tributárias na história econômica. Tem muitos episódios emblemáticos dessa tradição. A independência americana foi, em grande medida, resultado de uma rebelião chamada Tea Party, quando se fixou o princípio de que não deve haver tributação sem representação. A Corôa Britânica e o Parlamento inglês queriam impor novas taxas e tributos sobre a colônia norte-americana e os colonos, corretamente, se revoltaram, porque não atendia a esse princípio muito elementar de que, se você está sendo taxado, tem de ser representado. No Brasil, o sonho de um país independente começou com a Inconfidência Mineira, que foi uma rebelião tributária. A Corôa Portuguesa quis impor a derrama e houve um movimento organizado e muito avançado para a época, baseado em ideias do Iluminismo, para tentar impor alguma restrição, de resistir a esse movimento. Pouca gente sabe, mas Margareth Thatcher, na Inglaterra, caiu durante uma revolta tributária. Ela tentou criar um novo imposto, um imposto sobre a existência, em que pelo simples fato de você existir pagava uma taxa, e a população inglesa simplesmente não aceitou. Eu tenho impressão que nós estamos no limiar de um movimento organizado desse tipo. O governo, há vários governos, vem tentando resolver o problema das finanças públicas aumentando a carga tributária, mas a sociedade civil brasileira chegou ao limite. A questão, agora, é como organizar esse movimento de resistência a novas tentativas de aumento da carga tributária. Essa é uma tarefa que cabe aos líderes e representantes nos diversos grupos da sociedade. O que eu noto é que estamos em um movimento ascendente de resistência ao aumento da carga tributária. A tradição brasileira sempre foi o salve-se quem puder. Quando o governo aumenta impostos, as pessoas vão para a informalidade ou deixam de cumprir certas obrigações fiscais, mas isso é o pior para todo mundo. O que precisamos aprender a fazer é organizar e dar coerência e representação ao nosso descontentamento com o quadro a que chegou o tamanho e os desmandos do Estado brasileiro.
Outro dia ouvi o ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, falando que chegaremos a ter de fazer um novo plano real. O que acha?
E G – É preciso ver o contexto em que ele disse isso. Provavelmente ele se referiu ao problema fiscal. Na época do Plano Real o grande desafio era a inflação, hoje o grande desafio é o tamanho da carga tributária e o fato de que apesar dessa carga tributária ser tão alta o Estado brasileiro não atende as mínimas condições de cidadania e de dignidade para a maioria da população. Como é que um Estado que taxa 36% da renda dos brasileiros e ainda tem um déficit de 8% do PIB não atende ao mínimo da vida civilizada, no tocante ao saneamento, educação, saúde e segurança? A capacidade de investimento é mínima do setor público brasileiro. Então, se ele está se referindo a um novo plano real na dimensão fiscal eu acho que está coberto de razão.
Com todos os componentes da crise atual, podemos desconsiderar a baixa produtividade do trabalhador brasileiro como componente do cenário?
E G – Não, é um elemento central desse cenário. Os equívocos da política econômica do governo Dilma agravaram muito o quadro da baixa produtividade brasileira. Ela interferiu de maneira muito desastrada e com um mão muito pesada nas regras do jogo de funcionamento da economia. E no longo prazo, o que faz a diferença entre a prosperidade e a penúria é exatamente a produtividade do trabalhador. Todas as mudanças do ponto de vista estritamente econômico se justificam no sentido de tornar a hora trabalhada de cada brasileiro algo mais produtivo do que ela é hoje e é para isso que nós temos que trabalhar.
Essa crise poderia ter sido evitada? O povo não soube escolher seus representantes ou tais representantes mentiram para o povo?
E G – Eu entendo que essa crise viria gradualmente no tempo e não ficaria dramática se não tivesse havido o governo Dilma. Era uma crise fiscal que vinha se desenhando, uma crise de presidencialismo de coalizão que vinha se desenhando, mas o Governo Dilma foi como alguém que tivesse apertado aquele botão fast forward, acelerou dramaticamente o andamento dessas crises que estavam se encaminhando no tempo. Então agora o país está diante desse impasse. Nós temos que resolver essas duas questões de fundo que são o esgotamento do ciclo fiscal que começou em 1988 e, do outro lado, a falência desse modelo de presidencialismo de coalizão que, com o governo Dilma, foi levado as raias do absurdo e se tornou totalmente inoperante.
Se o problema é a China, como disse o ministro das Cidades, quando a economia chinesa melhorar o Brasil sai da crise?
E G – Se o problema brasileiro fosse a China seria muito tranquilo e não teria nenhuma dificuldade. A China não está com esse problema todo e ela não é a responsável pela crise brasileira, embora a mudança do ambiente externo tenha contribuído em alguma medida para piora da nossa economia. Mas é completamente equivocada a tese de que os problemas brasileiros decorrem de fora. Eles decorrem fundamentalmente dos equívocos e dos problemas estruturais que temos aqui dentro.
A inflação em grande parte deveu-se a preços regulados e represados. Hoje há uma grande diminuição do consumo. Se houver uma diminuição da taxa de juros, não se conseguiria diminuir o custo do governo e fechar as contas sem a criação de novas contribuições?
E G– Todos nós desejamos reduzir a taxa de juros no Brasil. O problema é criar as condições adequadas para poder fazer isso sem uma aceleração e uma perda de controle do quadro inflacionário. Como houve o artificialismo no represamento dos preços administrados no ano passado, o governo teve que corrigir, ou pelo menos, começar a corrigir esse ano. Se não houvesse um aperto da política monetária, nós iríamos ver uma inflação alta e acelerando porque iria contaminar todo o sistema de preços. Então, infelizmente, o Banco Central tem que aumentar os juros como fez, mesmo em um ambiente recessivo. A dúvida que sempre existe é quanto a dosagem e não quanto ao sinal do movimento.
Para vencer esta crise não seria necessário uma nova Constituição, que reduza as obrigações e deveres do Brasil, aumentando as da sociedade? Hoje temos uma liderança para conduzir este processo? Você avalia necessário mudar a Constituição?
E G – Mudar a Constituição sem a menor dúvida. Uma nova Constituição eu não endosso. Acho que é abrir um flanco muito arriscado, ainda mais com um quadro político tão deteriorado e uma representação tão duvidosa como infelizmente o Brasil tem hoje em Brasília. Eu acredito que teremos que passar por mudanças constitucionais, mas isso não significa todo um novo processo Constituinte.
Como diminuir o tamanho do Estado sem alterar o contrato social do eleitor com o governo?
E G– Não precisa alterar o contrato social, pois no que ele tem de legítimo tem que ser preservado. Conquistas como o SUS, a aposentadoria para o trabalhador rural, o Bolsa Famí- lia, entre outras, não estão em discussão. O que nós teremos que rever, e aí eu sou radical, é o pacto federativo. Nós vamos transitar para um modelo em que hoje o dinheiro vai todo para Brasília para depois voltar para os Estados e Municípios para um modelo em que o dinheiro público é gasto mais perto possível de onde ele é arrecadado. Só vai para o governo central o que for estritamente função de governo central e o que for política de redistribuição regional. O resto dos recursos públicos ficam onde eles são arrecadados. E essa é a grande reforma de Estado que o Brasil precisa fazer e ela não passa por uma mudança ou por uma perda de conquistas sociais que o Brasil fez a partir de 1988.
O aumento dos juros seria mesmo necessário para segurar a inflação ou é um remédio que não dará resultados, causando apenas recessão?
E G – Não tem outro caminho que não seja aumentar os juros. E, infelizmente, nós estamos vendo a inflação correr esse ano. A expectativa para o ano que vem já é de uma inflação bem menor, embora ainda acima do centro da meta, mas abaixar voluntaristicamente o juro agora seria repetir o gravíssimo equívoco cometido já no primeiro governo Dilma que nos levou a essa aceleração da inflação que agora está tendo que ser contida. Não vamos imaginar que o voluntarismo de abaixar o juro resolva o nosso problema. Nós temos que criar condições fazendo ajuste fiscal e aí sim baixar consistentemente o juro.