Rafael Moreira Mota, advogado e assessor jurídico do Sinduscon-DF
Brás Cubas, criado muito livremente, tornou-se um menino endiabrado que enganava adultos e maltratava os escravos. Tinha uma mãe zelosa, um tio cônego que apontava o excesso de liberdade, outro que lhe ensinava e era cúmplice de piadas sujas e uma tia que exercia autoridade sobre ele, embora tivessem tido pouco convívio. Desse âmago familiar, numa metáfora assim se definiu: “dessa terra e desse estrume é que nasceu esta flor”.
O personagem de Machado de Assis nos faz lembrar, por analogia, os partidos políticos no Brasil.
Duverger, em sua clássica obra dedicada à análise dos partidos políticos, menciona que eles só podem ser compreendidos na atualidade a partir do conhecimento de suas origens, pois, “assim como os adultos carregam para sempre as marcas de sua infância, um partido carrega sempre as marcas de sua origem histórica”.
Os partidos políticos brasileiros, como definiu Faoro, na sua obra “Os donos do poder”, têm a gênese nas relações de alianças familiares rurais, coroadas por elites urbanas que se expandiram em correlação com a classe proprietária, vinculada ao mercado.
No Brasil, com a Constituição de 1934, os partidos políticos passam a adquirir um caráter oficial. Não tarda, o Poder Judiciário começa a ministrar suas lições. A primeira grande delas travou-se em torno do fechamento do Partido Comunista Brasileiro. Alguns ensinamentos são silenciados com o Ato Institucional nº 2/65. Felizmente, o pluripartidarismo, com autonomia partidária, eclode com a promulgação da Constituição de 1988, que elege as agremiações como o caminho necessário para quem quer passar de eleitor para condições de ser elegível.
Após a Constituição de 88, as lições do Poder Judiciário continuam (cláusula de barreira, financiamento de campanhas etc). Agora, mais uma vez provocado, rapidamente, o Supremo Tribunal Federal (STF) deverá lecionar. O ministro Luís Roberto Barroso pautou, para sessão da próxima quarta-feira, o processo em que se discute a hipótese de candidatos sem partido político. O autor da ação alega, em síntese, que as candidaturas sem vinculação partidária não poderiam ser proibidas no Brasil.
O constituinte originário optou por considerar os partidos políticos necessários para quem quer se candidatar a cargo político, ou seja, as agremiações foram alçadas à condição de condutores legítimos ao poder no estado democrático de direito. Se esses partidos não obedecem à Constituição de 88, cabe ao Poder Judiciário corrigi-los, e não descartá-los.
A democracia não está ameaçada pelo regime dos partidos, mas sim pela orientação de suas estruturas interiores, de natureza militar, religiosa e totalitária de que às vezes se revestem. Não devemos nos submeter à surpresa, quiçá sustos provocados por aventureiros ou remédios açodados.
O sistema é falho. O reparo, contudo, deve ser limitado pela Constituição, que, quanto à necessidade de filiação partidária, já preparou um solo fértil ao nascimento da flor democrática. Resta agora saber se é necessário mais adubo e de que forma esse adubo deverá ser aplicado.
Artigo publicado no jornal O Globo do dia 1º de outubro de 2017