Passeio de bicicleta por Brasília

Passeio de bicicleta por Brasília
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Dionyzio Klavdianos
Presidente do Sinduscon-DF

No DF TV, a notícia de que a empresa que locava bicicletas no centro de Brasília desistiu da operação.

Este tipo de negócio não é novo. No Guará, idos de 1970, já havia lojas (startups?!) que alugavam. Alguns garotos tinham bicicletas, a maioria não, era barato alugar, sequer precisava apresentar documento, pagava-se na devolução.

Óbvio, havia aqueles que achavam engraçado danificá-las, pedalavam, pedalavam, saltavam e as deixavam correr livres até tombar, mas não era fácil causar alguma avaria, pois nos eram oferecidas só com o básico, quadro de ferro, freio traseiro, pedal, corrente e pneu.

Garotos em bando, forasteiros na cidade recém inaugurada, perambulando pelas quadras, que mal entregues, já eram asfaltadas. Caminhos de sobra, pouco comércio instalado e nada de invasões em áreas públicas.

Nascer, nasci no Gama, tem uma foto nossa num velocípede no campinho ao lado de casa, eu dirigindo e meu irmão de carona. Bicicleta pra valer ganhamos no Guará, uma monark vermelha pra cada um.

Mal abrimos os olhos e o susto de nos deparar com elas no quarto. Nem esperamos o café, foi a conta de regular guidão, selim e sair pelas calçadas do conjunto D da QE-04.

Trajeto que exigia perícia. Numeradas de dez em dez, da casa 05 a 215, o desafio era passar pelos corredores estreitos, delimitados de um lado pelos postes de iluminação, fincados no meio das calçadas, e de outro pelos muros. Dava a continha. Na altura da casa 215, a rua alargava para que os carros pudessem manobrar e a calçada acompanhava o contorno, seis curvas de 90° em sequência, conseguindo, tomava-se a reta de volta, da casa 214 até a 04.

Pouca gente tinha automóvel e, se tivesse, era um por família, guardado na garagem. Rua era para pedestre e golzinho, calçada para bicicletas.

Mudamos para o Plano Piloto em 1978, eu já levando comigo uma Caloi 10, de dez marchas. O guidão chifre de carneiro troquei pelo reto, mais confortável e ergonômico, afinal ela me servia como meio de transporte, não para corridas.

Morava na Asa Sul, a escola na 906 e eu na 106, era dobrar a barra da calça para não sujar de graxa ou enganchar na coroa e não descuidar de corrente e cadeado. Já roubavam bicicleta no Guará, mas no Plano Piloto mais.

Pra mim, bicicleta foi o grande objeto de desejo na década de 1970. O Mineirinho, meu padrinho de primeira comunhão, tinha uma monark barra circular incrementada, com selim alcochoado, buzina, espelho retrovisor e protetor para lama com olho de gato. Era natural o zelo do trabalhador com aquele que seria, provavelmente, seu único meio de transporte próprio por toda a vida.

Para a UnB, ia com o chevete branco, a álcool, de 2ª mão, que ganhei quando completei 18 anos. À bicicleta, ficou reservado o final de semana…

Em que pese ter-se organizado até mesmo o “Pedalando pelas Diretas”, aliás, organizamos muitos eventos em favor das Diretas, quem usava mesmo bicicleta na universidade eram os estudantes que moravam no C.O e nas 400 da Asa Norte.

O Mineiro personificava o próprio Sátiro, só o via montado em sua Caloi 10 e com guidão original, de corredor. Lembro também da Kátia, com uma Caloi amarela, carregando a filha Natália na garupa pra todo o lado. Foi a primeira mulher a viajar de Brasília ao Rio de Janeiro de bicicleta e o Mineiro se inspirou no exemplo dela para fazer o mesmo roteiro em 1982, o ano das Diretas.

Mais pelos meados da década de 1980 começou a se difundir o triatlon na cidade e a Caloi lançou uma edição especial da Caloi 10 em alumínio, hoje seria um belo exemplar de colecionador. Era cara, o Mário Márcio tinha uma. Participei de uma das primeiras provas da modalidade, os amigos da natação praticavam e quis acompanhar, experiência que nunca mais me deu vontade de repetir.

Formei, fui trabalhar e a bicicleta sempre por perto, mas aí já como apêndice, primordialmente utilizada para levar as filhas a passeio enquanto couberam na cadeirinha, encaixada entre selim e guidão.

A exceção foi o final da década de 1990, período em que, aproveitando a paridade do dólar com o real, comprei do Caio, na Sportcicle da 310 sul, uma Specialized com quadro de molibdênio, suspensão ativa manitou e freios shimano XTR.

Por inúmeros sábados saía cedo com um grupo de amigos para explorar longas jornadas em trilhas diversas, que culminavam com tiros de chegada a lá Tour de France, para ver quem cruzava primeiro o portão da chácara do sogro do Marcelo, onde deixávamos o carro.

Quatro anos atrás minha bicicleta foi roubada no Park Way, onde moramos agora. O pouco caso com a regra de ouro da corrente e cadeado facilitou o serviço. Pensei em comprar outra, mas protelo até hoje.

Esta região do Park Way é bastante procurada por quem gosta de bicicleta. À noite, grupos grandes, paramentados, com batedores, a passeio. Final de semana, grupos menores, interessados em trilhas.

Quando garoto, montávamos em nossas bicicletas como nossos heróis na TV montavam em seus cavalos. Também como eles, saíamos a campo para desbravar, investigar as redondezas, era a nossa missão. Não era o caso de dizer que era por liberdade, pois liberdade já estava na conta.

Nesses grupos que passam por aqui não enxergo garotos, só adultos. Garotos hoje têm outros compromissos e bicicleta, como o cavalo, só dentro de cercados.

De toda a maneira, vez ou outra, aos domingos, passando pela Estrada Parque Dom Bosco, na altura do jardim zoológico ou próximo ao balão do aeroporto, cruzo com grupos de garotos parecidos com o nosso, andando na pista do BRT, montados em bicicletas parecidas com as nossas, vindo, parece que do Gama, a caminho, parece que do Plano Piloto.


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